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Como seria se fosse Natal o ano inteiro
Posted by PatyDeuner
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15 de dezembro de 2011
09:35
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Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom.
Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.
Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso. A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento.
A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.
A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.
Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.
O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.
Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.
A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.
O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.
E será Natal para sempre.
Carlos Drummond de Andrade
Texto extraído do livro "Cadeira de Balanço", Livraria José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 52.

2 comentários:
Discordo de Drummond. Não são 2 meses de Natal e 10 meses de "resto".
ResponderExcluirNa verdade são:
2 meses de Natal (agora tendendo para três, já que os Shoppings este ano colocaram a decoração de Natal em Outubro. Outubro!!!) e mais 2 meses de carnaval (tendendo pra 3 se este cair em março), rsrs. A época do carnaval é beeeeemmmmm marcante e faz com que todos não fiquem gentis e sim voluptosas. ;-)
Agora Natal me lembra uma estória bem pitoresca... Nosso carro quebrou numa via expressa aqui do Rio dia 25/12/2010. Nesse mesmo momento descobrimos que meu triângulo estava quebrado. Assim, enquanto eu tentava ligar o carro, Kbeça ia pra trás dele, ficar acenando com uma camisa branca pros carros desviarem. Era um tal de gente fingindo que ia atropelá-lo, gente gritando grosserias... esse é o espírito de Natal atual. As pessoas estão mais preocupadas com presentes do que com Jesus. Enfim, como diz minha sábia vovó... sinal do fim dos tempos. =]
Acho Drummond um escritor fora de serie. Fantástico.
ResponderExcluirConcordo com a Nanda, com um adendo: páscoa, dia das mães, dos namorados, dos pais e das crianças. Isso, se não inventarem nenhum "feriado" comercial.
Mas, seria legal a visão utópica de Drummond. Um dia, quem sabe?!
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