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Talvez...

Posted by Baltazar Escritor on 23 de setembro de 2011 15:59 in

Aqui eu respondo ao meu desafio... ^^



O sol queimando a grama no jardim, as nuvens foram embora e o vento desistiu de soprar. Ele olha despreocupado o horizonte, nem uma viva alma se atreve a caminhar na rua, estão todos em suas casas, entrincheirados atrás guarda-sóis e limonada, alguns tiveram a tamanha disposição necessária para montar a piscina, outros como ele, ainda deitados numa rede na varanda, esperam o calor amainar para tentar levar e fazer algo de útil.
Como uma lagarta ele se enrola no casulo de tecido, sua rede de descanso, e dá lugar aos devaneios. Regendo a sinfonia do ego ele imagina, mil aventuras... ele é o mago no cavalo, o rei no trono, o herói na guerra, o filho que retorna à casa são e salvo. Então, como se atraídas por essa súbita movimentação no inconsciente, vem as lembranças.
Umas mais dolorosas do que as outras, por quê? O acidente, o carregamento, policia, morte, perseguição... Giovana. Um delator na quadrilha, um dedo duro.
“Não, não, não!” Em sua mente ele é um bebê, desamparado, impotente, frágil. “Minha culpa, tudo minha culpa!”
Se martiriza, se entrega à melancolia, o frio da arma, ele se lembra , o frio da arma entre os dedos, o disparo, o traficante morto, a roupa ensanguentada. Pra onde corre? Onde se esconde? O passado, ela sorrindo, cabelos longos e castanhos, olhos fitando o nada e tudo ao mesmo tempo, num pensamento que lhe ligava ao mundo, universo. Ela o vê, suas roupas, seu estado, diz que ele precisa tirar aquilo, pega uma mudar de roupa do pai, queima as maculadas pelo sangue, sangue sujo, a arma, o traficante.
“Foi em legitima defesa, legitima defesa!” Grita sem ninguém pra escutar, uma prece, um pedido de desculpa, de socorro.
Ele vê, não é alucinação, tem algo errado, algo está nela, algo está machucando ela, um vulto, uma sombra. Não acredita, ela é forte, isso não aconteceria, não, não. O choro, o câncer nos rins, quimioterapia, ela não resiste, morre, ele deveria ter ajudado, deveria. A culpa, foi sua culpa. A dor, a vergonha, o desconsolo, ele se consome, tudo o consome. Um ultimo desejo, suspiro indefinido.
“Talvez, não sei, eu feche os olhos antes...”
O disparo, a arma agora quente, uma bala na parede, por milagre ela desviou da sua cabeça. Ele chora, tenta de novo, a arma não pega, ele a joga no rio.  As voltas, os caminhos, destinos intransponíveis. O ritual, um abraço, um afago, a voz de anjo que diz que não foi sua culpa. Ela o acalma, lhe dá paz, um sorriso do tamanho do mundo, mesmo fraco e sem jeito.
O céu, agora cinzento, o acorda com um trovão, a chuva expulsou o sol, recolhe a rede, enxuga o suor da testa. Talvez...

Fonte: Plena Loucura

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3 comentários:

  1. A graça dos desafios é justamente esta, a gente ve uma imagem e pensa: eu escreveria sobre bananas. E no final somos presenteados com maçãs, rsrs.
    Fiquei com pena do protagonista. Era morrer ou matar, sei que deve traumatizar, mas não tem porque se culpar...
    Gostei do texto, é bem como um sonho ocorre, tudo desconexo, mas fazendo sentido pra quem está sonhando. Mando bem, Balta! ;-)

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  2. Puxa! Eu fiquei sem palavras.
    Fantástico!
    Agora estou até envergonhada dos meus humildes textos. rsrsrs

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  3. Que texto complexo. Muito complexo. Mas, muito bem narrado, transmite a angústia do protagonista e toda a sua dor. Show Balta, como sempre. :)

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