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Histórias abandonadas

Posted by Olhos Celestes on 25 de outubro de 2011 15:16 in ,
Respondendo ao desafio do tempo e espaço

"A casa estava toda na escuridão, a única luz que entrava pela janela vinha do vizinho da frente. Um barulho como passos ecoava do lado esquerdo da casa, de forma lenta, meticulosa. O ambiente era abafado, os moveis estavam todos cobertos com lençóis que já foram brancos. No chão, uma camada de poeira e algumas pegadas que seguiam para a direção do barulho. O cheiro de mofo impregnava tudo."

Eu estava caminhando lentamente, aturdida, quase desesperada. Procurava uma idéia nova quando fui parar ali, aquele lugar inconfundível, aquela casa... Quanto tempo fazia que eu não vinha aqui? Meses? Talvez anos? Tudo do jeito que eu tinha deixado, ou quase, estava tudo abandonado! Eu permiti que isso acontecesse... Como? Uma dor penetrou em meu coração. Aquela casa, cenário de tantas coisas maravilhosas, meticulosas, monstruosas, estava entregue ao caos do abandono.

Não que ela fosse tão bonita, na verdade quando a encontrei já estava abandonada, mas eu resgatei-a, dei vida novamente a ela, transformei aquela casa em cenário para meus personagens mais brilhantes! Dei móveis novos a ela, usei seus esconderijos, iluminei-a, transformei-a. Ao término de cada episódio eu cobria tudo de novo com lençóis brancos, fechava todas as janelas e portas e certificava-me de que tudo estaria perfeito para o episódio do dia seguinte. E foi assim por muito tempo...

Decidi entrar na casa, desesperava-me olhar aquelas janelas quebradas, o mato crescido em volta das paredes pichadas... Mas, lá dentro meu coração continuou a bater devagar, sofrendo. A pouca luz que entrava era da casa do vizinho da frente. Liguei o interruptor, certamente haviam cortado a luz há algum tempo. Mas, eu podia ver por todo o lado o pó e as traças, o cheiro típico de urina de rato, e a casa rugiu debaixo dos meus pés, como um pedido de socorro, e as lágrimas começaram a escorrer por meu rosto.

Os lençóis estavam escuros, ergui um deles para ver como estava o meu piano de calda, não devia ter feito isso, ele sorriu pra mim, me chamou, pediu também socorro. Coloquei o lençol de volta com relutância e continuei a caminhar pela casa, que continuou rangendo, como se para me punir pelo seu abandono. Entrei no quarto, encontrei a passagem secreta no chão, debaixo de tanta poeira. Minhas roupas estavam cheias de pó, aquele cheiro de mofo me perturbava. Abri o alçapão, mas estava muito escuro lá em baixo, eu não tinha uma lanterna, apareci ali por acaso, não estava preparada. Fechei-o e sai.

Do lado de fora da casa me permiti fechar os olhos e respirar um pouco, calmamente para que minha imaginação não me levasse a outro lugar, eu queria estar ali agora. Voltei-me então para a casa, olhei-a de novo com certa dor.

- Me desculpe por tê-la abandonado, me desculpem por ter abandonado todos vocês...
Falei não só para a casa, mas o mais importante, para todos os meus personagens que faziam parte da história daquela casa e que eu tinha deixado para trás, por falta de tempo ou de idéias. Pedi desculpas a todos, com uma dor enorme no coração, e concertei o meu erro.

Sorri vendo o dia clarear e a casa estar viva novamente, sorri olhando meus personagens continuando suas histórias ali, sorri vendo um lugar abandonado em minha imaginação voltar a viver, sorri pensando em terminar logo essa história que eu havia abandonado e contá-la mais tarde para os meus filhos, e voltei para o aconchego do meu quarto, com um caderno e um lápis na mão. Às vezes as melhores idéias são aquelas que abandonamos achando que eram ultrapassadas ou até inúteis pra qualquer coisa. E sorri mais uma vez, entre lágrimas, lembrando que eu havia me abandonado junto com a casa, e que eu não devo nunca mais esquecer quem eu sou: uma escritora sonhadora.

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3 comentários:

  1. Show de bola Olhos.
    Achei que a casa era a sua mente (influência do Balta).
    Fiquei triste junto com a personagem.
    =(

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  2. ué, mas a casa não é a mente dela? jurava que era...

    olhos, independente disso, um texto tocante. Gostei muito. E inesperado. Quando escrevi o desafio, nunca pensei em algo assim. Parabéns. =]

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  3. na verdade é uma casa que é um dos cenários do meu primeiro livro, que está abandonado... a história é verdadeira, estava procurando alguma ideia inusitada pra esse desafio e acabei esbarrando naquela casa e senti-me muito triste por ter abandonado o meu livro primordial, o primeiro filho é sempre o mais importante... foi um desabafo pois ontem mesmo eu estava perguntando-me no que eu tinha me transformado, tanta coisa mudou na minha vida nos ultimos meses que eu não sabia mais quem eu era... lembrar dos meus primeiros personagens me fez lembrar quem eu sou... ^^

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