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Resposta ao Desafio Musical

Posted by Marcinha on 15 de fevereiro de 2013 05:00 in , , , ,

Acelerando
(texto inspirado na música "Trancado", de Ana Carolina)



Enxugo as lágrimas num movimento rápido, passando o antebraço pelo rosto, a fim de desembaçar a visão da estrada à minha frente. Mudo a marcha, "mandando uma pra baixo", e acelero mais do que deveria. O motor V8 ronca debaixo do capô, enfurecido. Não está mais enfurecido que o meu coração, entretanto.

Droga! Deu tudo errado! Merda! Eu rosno entredentes. Agora acabou. Vida nova.

Preciso de música. Onde está meu pen drive? Não está no porta luvas. Que droga. Olho pelo retrovisor interno, para a montanha dos meu pertences pessoais amontoados no banco traseiro do meu Dodge. Não vou encontrar meu pen drive nessa montanha de coisas. No mínimo o deixei pra trás, no rompante da minha saída de casa.

Nem um maldito AC/DC eu posso escutar pra me consolar!

Rádio. Odeio, mas ter de servir.

"Eu tranco a porta
pra todas as mentiras
E a verdade também, está lá fora
Agora, a porta está trancada"

Música nacional, eu mereço... se bem que eu amo a voz da Ana Carolina. E a música é muito pertinente nesse momento. Minha porta agora está bem trancada. Tranquei meu coração, minha alma, minha vida. E vou jogar a chave fora!

"A porta fechada
me lembra você a toda hora
A hora me lembra o tempo que se perdeu"

Oh, droga... estou chorando de novo. O tempo é um carrasco... como, depois de 20 anos, não lembrar de alguém a toda hora?

"Perder é não ter a bússola
É não ter aquilo que era seu
E o que você quer?
Orientação?"

Aquilo que era meu... eu sempre tive certeza que ele era meu. E ainda tenho certeza que é meu. Oh Deus, como foi que tudo se perdeu? O que faltou? Do que ele precisava pra me amar da maneira pela qual eu tanto ansiei? Orientação? Mais? Precisava que eu fizesse um gráfico? Meus Deus, eu falei tantas vezes...

Piso mais fundo no acelerador, ouvindo o ronco ensurdecedor do oitão. Ainda bem que a estrada está vazia.

"Eu tranco a porta pra todos os gritos
E o silêncio também está lá fora
Agora a porta está trancada"

Chega dos gritos, dos dele, dos meus próprios. Chega dessa fera raivosa na qual eu mesma me transformei. Não quero esse ódio que eu carrego no meu peito. Se os momentos bons compensassem... se fossem a maioria. Silêncio, paz. Companheirismo. Afinidades. Hoje, deixei isso tudo para trás...

"Eu pulo as janelas
Será que eu tô trancado aqui dentro?
Será que você tá trancado lá fora?"

As lágrimas afloram, incontroláveis. Alivio um pouco o pé do acelerador. A estrada é uma massa disforme na minha frente. É melhor eu parar no acostamento. Ligo a luz de alerta e estaciono o Dodge.

Eu sinto uma dor no meio do peito quase como se um alien fosse saltar por ali. Ele sempre foi a única pessoa na minha vida inteira capaz de me fazer sentir uma dor assim. Será essa dor a minha companheira de agora em diante? Resolvi me trancar e partir, achando que a dor não me seguiria. Ledo engano. E agora estou só, sozinha pra lidar com essa dor no meu peito. Ele está longe, pra sempre. Ele que me fez sentir dor tantas vezes. Ele... que tantas vezes também foi meu bálsamo. Inúmeras vezes ele foi tudo de que eu precisava. Ele que sempre esteve ao meu lado. Para tudo, sempre me estendendo a mão. Por mais de vinte anos.

"Será que eu ainda te desoriento?
Será que as perguntas são certas?"

Cruzo os braços sobre o volante negro à minha frente e descanso sobre eles a cabeça. Não sinto nem sombra da raiva que me movia quando saí de casa. Agora eu sinto apenas o pesar, imenso e insuportável, como o peso do mundo inteiro sobre os meus ombros.

Eu que desconfio tanto das pessoas, eu que tenho tantas incertezas... Sobre ele, há tanta coisa que eu sei! Eu sei que ele me ama, eu sei que eu o desoriento a ponto de nem sempre ele fazer o que eu preciso, mas... o amor dele é incontestável. Disso eu sempre soube.

Merda, o que eu estou fazendo?!

Choro. Choro até meu rosto ficar vermelho, até os soluços sacudirem violentamente o meu corpo. Eu fiz todas as perguntas erradas, foi isso? Me perguntei exaustivamente como sair dessa situação, quando deveria ter me perguntado como melhorá-la?

Levanto a cabeça e recosto-me no banco do motorista. Fecho os olhos, enquanto sinto o tremor do V8 funcionando em marcha lenta. É como um acalento, uma canção de ninar. Os carros tem sido meu mundo, desde que conheci aquele homem. O ronco do motor me acalma, a velocidade me alegra.

Choro recostada ao banco, até não ter mais lágrimas. Mantenho os olhos fechados. Fico em silêncio por tanto tempo, que o choro que banhou meu rosto seca totalmente.

...

...

...

...

...

...

...

...

...

...

Abro os olhos. Respiro fundo, tomando coragem. Há uma estrada à minha frente. Não posso voltar atrás agora. Eu sei exatamente o que devo fazer.

Engreno a primeira e saio do acostamento cantando pneus. Ganho a estrada a minha frente, retomando o percurso que fazia, o caminho que me leva para longe de casa. Olho pelo retrovisor todos os meus pertences no banco traseiro, a estrada vazia que ficou para trás...

A estrada totalmente vazia. É agora ou nunca.

Tiro o pé do acelerador, puxo o freio de mão sob o painel e viro o volante todo para a esquerda, mandando "um cavalo" no meio da pista. O Dodjão canta os pneus enquanto desliza num elegante ângulo de cento e oitenta graus. Eu o alinho na pista rapidamente, no sentindo contrário ao que eu vinha. Empurro uma marcha pra baixo e catuco fundo o acelerador, deixando um rastro de borracha no asfalto e uma nuvem com cheiro de pneu queimado que me é tão peculiar.

Estou voltando para casa.

"Então eu me tranco em você
E deixo as portas abertas"



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7 comentários:

  1. Marcinha...
    Sem palavras... chorei junto com a personagem...

    Sofri como ela sofreu e tive fé quando ela decidiu tentar de novo. Perfeito. Palavras perfeitas, texto maravilhosamente bem escrito.

    Trecho favorito:
    "O Dodjão canta os pneus enquanto desliza num elegante ângulo de cento e oitenta graus. Eu o alinho na pista rapidamente, no sentindo contrário ao que eu vinha. Empurro uma marcha pra baixo e catuco fundo o acelerador, deixando um rastro de borracha no asfalto e uma nuvem com cheiro de pneu queimado que me é tão peculiar.

    Estou voltando para casa."

    Caraleooooooooooooo!!! Amei a reviravolta!

    Parabéns!!!
    Amei!!!!

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  2. Mana, muito bom. O desespero da personagem foi muito bem descrito, a gente sofre junto com ela, realmente.
    Espero, do fundo do coração, que essa volta para casa resulte em algo positivo tanto para ela quanto para ele. Maktub.

    Só achei um problema no texto:
    "Rádio. Odeio, mas VAI ter de servir.", faltou o "vai", né?

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  3. Marcinha do céu! Que emocionante! A descrição ficou perfeita e os sentimentos dela ficaram muito reais! Sabe...as vezes tenho rompantes de desespero com o meu casamento também...e acho que vc sabe bem como é, mas depois de algumas horas (ou dias rsrs)de descanso e análises da situação, sempre volto pra casa. O texto é muito pertinente com a música e com a vida de muitas mulheres. Simplesmente ADOREI!!!

    Achei alguns errinhos de digitação:

    "para a montanha dos meu pertences pessoais" (faltou um S em meu)


    "Meus Deus, eu falei tantas vezes..." (sobrou um S em Meus)

    Vai ver o S escorregou de um "meu" para o outro! hahahaha

    Adorei a intensidade dessa parte:

    "Cruzo os braços sobre o volante negro à minha frente e descanso sobre eles a cabeça. Não sinto nem sombra da raiva que me movia quando saí de casa. Agora eu sinto apenas o pesar, imenso e insuportável, como o peso do mundo inteiro sobre os meus ombros."

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  4. Obrigada, meninas... foi, sim, um texto intenso e cansativo, e chorei horrores enquanto escrevia. Mais que qualquer coisa, é um choro de alívio. Acho importante quando alguém consegue fazer uma auto análize tão importante como a que a personagem fez, e voltar atrás com esperança, como nos disse a Sammy. Seguindo o raciocínio da Paty, de repente vc olha com mais calma e pensa "ei! o barco ainda não afundou! me dá um balde aqui que vou expulsar essa água agooooooora!" A vida é um desafio constante a nossa coragem, tanto coragem pra acelerar até o final da estrada, como coragem pra mandar um cavalo e voltar extamente pra onde acabamos de sair.
    Como nos disse a Nanda, Maktub! (Está escrito)
    Obrigada pelos trechos destacados (tb gostei muito desses) e pelas correções ortográficas, vou providenciar... (nossa, eu revisei esse texto 4 vezes, eu sou realmente péssima nisso, rss)

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  5. Marcinha, parabéns! Fez uma ótima reflexão com o texto, eu tbm refleti mto, sei exatamente oq vc sentiu ao escrevê-lo.
    Adorei!
    Sem mais palavras, é dificil saber oq dizer diante de um texto assim ^^

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  6. Obrigada, Dê... acho isso bacana em nós mulheres, nós refletimos muito... e também refletimos por osmose, uma começa a refletir, a outra começa a refletir junto. Eu acho isso bacana no nosso grupo, como construímos um identidade coletiva, apesar de continuarmos sendo quem somos.
    É, meninas... eu tb me tranco em vocês, e deixo as portas abertas...

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