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Uma páscoa diferente
- Amor, este ano vamos passar a Páscoa juntos?
- Querido, você tem certeza? O Pêssach é longo e cheio de ritos. Você é católico, vai achar um tédio.
- Ana, nós não vamos nos casar?
- Sim, um dia.
- Então, você não acha melhor eu tentar me habituar antes? Não quero que você abandone sua religião por minha causa.
- Sabe, Diego... - Ana diz, abraçando-o fortemente - é por isso que eu te amo tanto, você está sempre preocupado com meu bem estar.
- Ora, os noivos não são para isso?
Ana olha-o embevecida e, com lágrimas nos olhos, o beija. Ela era uma pessoa abençoada.
- Alô?
- Amor, você vem mesmo para o Pêssach?
- Sim, linda, eu não disse que ia?
- Quando você chega, hoje ou amanhã?
- Ué, Ana, hoje ainda é dia 23! A Páscoa é só dia 31!
- Diego, quando eu disse que o Pêssach era longo, eu não estava brincando! Ele começa amanhã, dia 24, e só termina dia 2!
- Sério?
- Seríssimo!
- Ok, sou homem de uma palavra só. Estou chegando aí amanhã, pode contar comigo.
- Certo, querido, te aguardo.
Diego desliga o telefone intrigado. 10 dias celebrando a Páscoa? Jesus! Ainda bem que ele estava de férias, como ia explicar isso para o seu chefe???
O primeiro dia já foi um choque imenso. Ele passou a noite toda percorrendo a casa com seu futuro sogro recolhendo chamêts, ou seja, qualquer coisa que contenha em sua formulação grãos fermentados, trigo, cevada, centeio, aveia ou espelta. No final da busca estava com dor de cabeça de tantos rótulos que leu, com suas letras miúdas. Olhava para a pilha de alimentos, remédios, cosméticos e se perguntava que fim teria aquilo tudo.
Ana não parecia em melhor forma. Estava destruída depois de passar a noite limpando a cozinha. Era imprescindível que nenhum resquício de chamêts fosse encontrado e a limpeza era responsável por fazer sumir qualquer traço deles do ambiente.
Quando já estavam todos esgotados, sua sogra finalmente pronunciou as palavras que Diego ansiou ouvir desde que começara sua busca noturna:
"Todo fermento ou qualquer coisa levedada que esteja em meu poder, que não encontrei e não exterminei ou de que não tenha consciência, seja considerado sem valor e sem dono como o pó da terra".
Ufa, estavam liberados do martírio. Aproximou-se de Ana e indagou:
- O que faremos com tudo que foi recolhido?
- Vamos eliminar, não podemos tê-los em casa nesta data.
Diego apenas a olhou, sem nada comentar. Que religião estranha...
No dia seguinte, Diego olhava para uma grande fogueira no quintal dos Haddad. Todos os chamêts estavam sendo queimados.
- Que desperdício de comida e dinheiro... - Diego pensava.
Ana aproximou-se e o abraçou. Ele fingiu entusiasmo ao indagar:
- O que vem agora?
- Agora não temos mais nada, só mais tarde acenderemos as velas. - Ana, percebendo que Diego não estava entendendo, continuou a explicação: Porque durante todo o Pêssach não será mais permitido criar fogo, teremos que usar as velas que já queimam como provedor do novo fogo que precisemos.
- Hum... ok. - Diego estava cada vez mais confuso.
O final da tarde finalmente chegou, junto com ele o acendimento das velas. Após isto, a família Haddad e Diego partiram para o primeiro Sêder.
Diego estava de mau-humor. Seu estômago doía, mas ele não podia comer aquilo! Já tinha ouvido histórias estranhas, já tinha bebido 4 taças de vinho... ok, até que isso não tinha sido desagradável, ao contrário, sentia-se levemente bêbado. Tinha petiscado um negócio que parecia um cream cracker, mas que haviam explicado que se chamava matsá, que não tinha aplacado nem um pouco sua fome. Todos tinham lavado a mão de uma maneira meio estranha, mas ele não tinha se preocupado muito com isso, estava mais focado em se manter de pé sem cair. O álcool fazia tudo rodar, e ele não queria passar a impressão de que estava bêbado, mesmo que estivesse. Sua última refeição tinha sido há mais de 6 horas, estava faminto! E agora... aquilo? Onde estava a comida descente?
Ana aproximou-se e falou ao seu ouvido:
- Cada um desses símbolos tem uma explicação querido. Vou explicar no sentido horário, ok? O ovo representa a oferenda da festa levada nos dias do Templo Sagrado. O pescoço de galinha representa o cordeiro que era o sacrifício especial de Pêssach na véspera do Êxodo do Egito, e anualmente, na tarde anterior a Pêssach, no Templo Sagrado. A mistura de maçãs, nozes e vinho representam a argamassa e os tijolos feitos pelos judeus quando trabalhavam para o faraó. A alface romana nos lembra do amargor da escravidão de nossos antepassados no Egito. O do lado são mais ervas amargas. Em seguida, e por último, uma raiz vegetal não-amarga alude ao trabalho massacrante dos judeus como escravos.
- Ana, isso é muito interessante, mas eu acho que vou vomitar.
- Está passando mal?
- Estou meio bêbado e totalmente enjoado só de olhar para esse prato.
- Querido, o Keará é importante para nós, Judeus.
- Eu sei, mas realmente não estou me sentindo bem. Se eu não sair daqui agora, acho que vou colocar todo o vinho pra fora, em cima do Keará.
- Certo, vou te dar uma carona até em casa, acho que você ainda não está preparado para um Pêssach inteiro.
- Por favor, não fique chateada.
- Não estou chateada, mas eu não posso dizer que não te avisei... de qualquer maneira, achei um lindo gesto da sua parte tentar. Quem sabe ano que vem?
- É, ano que vem estarei mais preparado, tenho certeza.
Diego sentia-se aliviado por ter conseguido escapar daquele problema que ele mesmo tinha criado para si mesmo. Mas amava tando Ana, que passaria o próximo ano estudando os rituais judeus para não dar mais nenhuma espécie de furo com a família Haddad, sua futura família.
Fonte: http://www.pt.chabad.org/media/pdf/727/BNNu7273985.pdf
- Querido, você tem certeza? O Pêssach é longo e cheio de ritos. Você é católico, vai achar um tédio.
- Ana, nós não vamos nos casar?
- Sim, um dia.
- Então, você não acha melhor eu tentar me habituar antes? Não quero que você abandone sua religião por minha causa.
- Sabe, Diego... - Ana diz, abraçando-o fortemente - é por isso que eu te amo tanto, você está sempre preocupado com meu bem estar.
- Ora, os noivos não são para isso?
Ana olha-o embevecida e, com lágrimas nos olhos, o beija. Ela era uma pessoa abençoada.
- Alô?
- Amor, você vem mesmo para o Pêssach?
- Sim, linda, eu não disse que ia?
- Quando você chega, hoje ou amanhã?
- Ué, Ana, hoje ainda é dia 23! A Páscoa é só dia 31!
- Diego, quando eu disse que o Pêssach era longo, eu não estava brincando! Ele começa amanhã, dia 24, e só termina dia 2!
- Sério?
- Seríssimo!
- Ok, sou homem de uma palavra só. Estou chegando aí amanhã, pode contar comigo.
- Certo, querido, te aguardo.
Diego desliga o telefone intrigado. 10 dias celebrando a Páscoa? Jesus! Ainda bem que ele estava de férias, como ia explicar isso para o seu chefe???
O primeiro dia já foi um choque imenso. Ele passou a noite toda percorrendo a casa com seu futuro sogro recolhendo chamêts, ou seja, qualquer coisa que contenha em sua formulação grãos fermentados, trigo, cevada, centeio, aveia ou espelta. No final da busca estava com dor de cabeça de tantos rótulos que leu, com suas letras miúdas. Olhava para a pilha de alimentos, remédios, cosméticos e se perguntava que fim teria aquilo tudo.
Ana não parecia em melhor forma. Estava destruída depois de passar a noite limpando a cozinha. Era imprescindível que nenhum resquício de chamêts fosse encontrado e a limpeza era responsável por fazer sumir qualquer traço deles do ambiente.
Quando já estavam todos esgotados, sua sogra finalmente pronunciou as palavras que Diego ansiou ouvir desde que começara sua busca noturna:
"Todo fermento ou qualquer coisa levedada que esteja em meu poder, que não encontrei e não exterminei ou de que não tenha consciência, seja considerado sem valor e sem dono como o pó da terra".
Ufa, estavam liberados do martírio. Aproximou-se de Ana e indagou:
- O que faremos com tudo que foi recolhido?
- Vamos eliminar, não podemos tê-los em casa nesta data.
Diego apenas a olhou, sem nada comentar. Que religião estranha...
No dia seguinte, Diego olhava para uma grande fogueira no quintal dos Haddad. Todos os chamêts estavam sendo queimados.
- Que desperdício de comida e dinheiro... - Diego pensava.
Ana aproximou-se e o abraçou. Ele fingiu entusiasmo ao indagar:
- O que vem agora?
- Agora não temos mais nada, só mais tarde acenderemos as velas. - Ana, percebendo que Diego não estava entendendo, continuou a explicação: Porque durante todo o Pêssach não será mais permitido criar fogo, teremos que usar as velas que já queimam como provedor do novo fogo que precisemos.
- Hum... ok. - Diego estava cada vez mais confuso.
O final da tarde finalmente chegou, junto com ele o acendimento das velas. Após isto, a família Haddad e Diego partiram para o primeiro Sêder.
Diego estava de mau-humor. Seu estômago doía, mas ele não podia comer aquilo! Já tinha ouvido histórias estranhas, já tinha bebido 4 taças de vinho... ok, até que isso não tinha sido desagradável, ao contrário, sentia-se levemente bêbado. Tinha petiscado um negócio que parecia um cream cracker, mas que haviam explicado que se chamava matsá, que não tinha aplacado nem um pouco sua fome. Todos tinham lavado a mão de uma maneira meio estranha, mas ele não tinha se preocupado muito com isso, estava mais focado em se manter de pé sem cair. O álcool fazia tudo rodar, e ele não queria passar a impressão de que estava bêbado, mesmo que estivesse. Sua última refeição tinha sido há mais de 6 horas, estava faminto! E agora... aquilo? Onde estava a comida descente?
Ana aproximou-se e falou ao seu ouvido:
- Cada um desses símbolos tem uma explicação querido. Vou explicar no sentido horário, ok? O ovo representa a oferenda da festa levada nos dias do Templo Sagrado. O pescoço de galinha representa o cordeiro que era o sacrifício especial de Pêssach na véspera do Êxodo do Egito, e anualmente, na tarde anterior a Pêssach, no Templo Sagrado. A mistura de maçãs, nozes e vinho representam a argamassa e os tijolos feitos pelos judeus quando trabalhavam para o faraó. A alface romana nos lembra do amargor da escravidão de nossos antepassados no Egito. O do lado são mais ervas amargas. Em seguida, e por último, uma raiz vegetal não-amarga alude ao trabalho massacrante dos judeus como escravos.
- Ana, isso é muito interessante, mas eu acho que vou vomitar.
- Está passando mal?
- Estou meio bêbado e totalmente enjoado só de olhar para esse prato.
- Querido, o Keará é importante para nós, Judeus.
- Eu sei, mas realmente não estou me sentindo bem. Se eu não sair daqui agora, acho que vou colocar todo o vinho pra fora, em cima do Keará.
- Certo, vou te dar uma carona até em casa, acho que você ainda não está preparado para um Pêssach inteiro.
- Por favor, não fique chateada.
- Não estou chateada, mas eu não posso dizer que não te avisei... de qualquer maneira, achei um lindo gesto da sua parte tentar. Quem sabe ano que vem?
- É, ano que vem estarei mais preparado, tenho certeza.
Diego sentia-se aliviado por ter conseguido escapar daquele problema que ele mesmo tinha criado para si mesmo. Mas amava tando Ana, que passaria o próximo ano estudando os rituais judeus para não dar mais nenhuma espécie de furo com a família Haddad, sua futura família.
Fonte: http://www.pt.chabad.org/media/pdf/727/BNNu7273985.pdf
5 comentários:
Adorei a história Nanda, foi curtinha mas bem pesquisada, bem explicativa! E esse tal Keará na verdade parece gostoso!
ResponderExcluirEsse Diego é muito chatinho ein, a Pêssach parece ser bem interessante, acho q é uma coisa da qual eu participaria se tivesse tempo! ^^
Parabéns pelo texto!
Alguns errinhos q observei:
lá na terceira parte "Ele passou a noite toda todo percorrendo" tem um todo sobrando ^^
6º paragrafo "Ana percebendo que Diego não estava entendendo," acho q vai uma virgula depois de Ana.
Atualizado, Dê!
ResponderExcluirCara, a páscoa deles mega diferente. Eu só relatei 2 dias, mas eles comemoram durante 10!!!
*___*
Adorei Nanda!
ResponderExcluirJudeus são super diferentes mesmo. Tive um namorado judeu quando eu tinha uns 14 anos e já achava tudo mega-diferente!
Achei muito bem bolada a visão do Diego! Parabéns pela percepção!
Denize já fez as devidas correções, então tá tudo bem, rs
Só a título de curiosidade, judeus ortodoxos (como a Ana) não casam com não-judeus - nesse caso, Diego teria que se converter ao judaísmo ;-)
Incrível, Nanda, parabéns!
ResponderExcluirSua história toda ficou muito, muito, muuuuito bem bolada! Desde que vc recebeu essa imagem eu tenho me perguntado como eu faria esse texto e, te juro, não tive idéia. Sua história ficou maravilhosa, vc conseguiu manipular uma quantidade enorme de informação num texto leve e espirituoso, rss..
Pobre Diego, a Ana não foi honesta com ele... quando ela o adivertiu lá no início na história, ela deveria ter dito "Querido, você tem certeza? O Pêssach é longo e cheio de ritos. Você é católico, vai achar um pesadelo."
Parabéns mesmo, ficou incrível!
Você realmente explicou a páscoa judaica de maneira leve e engraçada. Engraçada porque fiquei imaginando a cara do Diego pras coisas...e bêbado! Não sabia nada sobre esse assunto, e gostei muito.
ResponderExcluirParabéns pelo texto tão bem desenvolvido Nanda!
Comenta aê!