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O ônibus

Posted by Unknown on 14 de agosto de 2013 06:00 in , ,


Sentei-me ao fundo. Não é que o ônibus estivesse cheio, nada disso! Mas a perspectiva daquele banco sobre a roda, preferido pelas crianças, me dá uma visão ligeiramente diferente.

Melhor. De outro ponto eu não conseguiria observar,com meu olhar crítico aquelas pessoas que ninguém nota.

Afinal, são apenas pessoas comuns. Até onde eu podia enxergar, eram até bem normais. Mesmo assim, não amenizou meu interesse: À minha esquerda, um rapaz se ocupava em cutucar os dentes com um canudo. Nojento...

Atrás de mim, alguém insistia em ouvir uma batida de funk em volume alto. 

Duas cadeiras à frente, uma senhora de meia idade, lia avidamente. Estiquei o pescoço e percebi ser um livro de banca. Provavelmente algum da harlequim. 

Olhei através da janela buscando algo que nem mesmo eu sabia o quê. Desviei meus olhos ao notar um rapaz ultrapassando a roleta que me fitava intensamente. Havia algo de inócuo no seu rosto e nem mesmo era a primeira vez que nos esbarrávamos no ônibus.

Óculos com lentes grossas, cabelo claro e espetado, assentado com gel. Nas mãos, um livro, cuja capa logo me chamou atenção. Eram as crônicas de gelo e fogo. Já tinha lido aquele livro, por isso o reconheci de imediato. 

Sua presença apagou tudo à minha volta. Aprumei-me no banco, na esperança de que ele escolhesse meu lado para sentar. Abri a bolsa rapidamente buscando um livro, quando lembrei que estava lendo um livro horroroso, com uma história sem pé e nem cabeça e ainda por cima infanto-juvenil. Lamentei não estar com um exemplar mais intelectual. Algum livro do Borges, Garcia Marquez ou Mario Vargas Llosa...

Suspirei profundamente e pesquei aquele exemplar surrado, desanimada por não ter algo melhor para apresentar. Enquanto eu pensava e buscava o livro, passos rápidos ecoaram pelo ônibus semi vazio e o rapaz, ajeitando seu óculos, sentou ao meu lado.

Fiquei absolutamente imóvel. Acho que é irrelevante dizer que apenas sua presença ao meu lado se fazia perceber de forma intensa. Através do meu vestido, eu sentia a perna dele encostando na minha. 

Conforme o ônibus enchia, ele se aproximava ainda mais de mim, imprensando-me junto à janela. A cada curva, freada ou acelerada do motorista, eu sentia seu corpo inclinando-se e moldando ao meu. 

Eu olhava disfarçadamente para o rapaz quase o tempo todo. Fingia ler, mas mantinha-me atenta, observando suas expressões e reações enquanto ele lia páginas e mais páginas rapidamente. 

Senti vontade de conversar... puxar assunto. Falar sobre o livro... sobre a série de tv, sobre qualquer coisa que fizesse sentido e o fizesse notar-me. 

Talvez eu estivesse exagerando com meus olhares intensos, pois ele levantou os olhos do livro e abriu a boca. Eu concordaria com qualquer coisa que ele dissesse. Mas ele simplesmente pediu:

- Pode fechar um pouco a janela? 

Não consegui sequer responder. Devia mesmo estar no meu limite de carência para me sentir tão atordoada diante de um rapaz que eu não sabia nem mesmo o nome. 

Durante toda a viagem fiquei ensaiando o que eu diria para puxar assunto, mas tudo parecia tão forçado que não arrisquei iniciar da maneira errada.

E então... ele olhou pela janela, situando-se e levantou. Puxou a cordinha e eu percebi que não iria vê-lo  mais e toda oportunidade de falar algo, estava sendo perdida. Todo meu corpo se retesou e quase levantei também.

Meus olhos suplicantes acompanharam o rapaz indo em direção à porta de saída, quando ele voltou-se e deu um sorriso franco e acenou de leve com a cabeça em despedida.

Meu coração disparou e levantei. Observei o ônibus sair do ponto e iniciar sua marcha, quando gritei: 

- Por favor, motorista! Pare! Preciso descer! 

Saí correndo pela calçada, finalmente tomando coragem para conhecer o meu futuro amor. 





*                   *                   *










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10 comentários:

  1. Oi Samantha ;)
    Gostei muito do texto!!! Vai ter continuação? Diz que sim???? rs
    Foi vc quem escreveu?
    Me senti a protagonista pq tada vez que ando de ônibus tem sempre uma criatura com uma caixa de som tocando funk perto de mim (AFF!)
    Vou esperar o aroto lindo aparecer também por aqui... #sonha rs

    Tem resenha nova lá no blog, quer ler?
    Desde já obrigada!

    Fallen In Me
    - PatyScarcella

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    1. Oi Paty!
      Fui eu que escrevi sim... Estou pensando se vale a pena escrever uma continuação.
      Fico feliz que tenha gostado, se eu escrever uma continuação, te passo o link, tá?

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  2. Ótimo conto Sammy!Lembrei-me com saudade da minha época de faculdade, quando pegava 4 ônibus diários e as vezes me deparava com pessoas assim, que definitivamente chamavam minha atenção.
    Espero ler a continuação em breve amiga! ^^

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    1. Oi Paty Maria!
      Só deu Paty hoje no blog, rsss Pois é... Nerds sempre me chamam a atenção ^_^

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  3. Texto muito bem escrito Samantha.
    Não sabia que você escreve, parabéns xD

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    1. Sim... escrever é uma paixão... E aqui no nosso blog, você vai encontrar muitas histórias interessantes e desafios! Volte sempre, Gabriel!

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  4. A única coisa que sinto falta de trabalhar no Centro da Cidade é ler bastante e ver pessoas novas. Eu sempre falei que quem mora longe tem história para contar! Bjss

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  5. Você escreveu?! Ficou muito bom! Quero continuação rs

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  6. Oi, Sammy! Que lindo texto, envolvente e charmoso, bem do jeito que a gente lê num sopro só. Certamente, merece continuação!

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  7. Olha, sem querer jogar um balde de água fria, esse rapaz ou é gay ou não quer nada com a protagonista. Ela lançando altos olhares e o cara nem tchum?
    Hum... Desconfiei!
    E não, não mete essa que ele é tímido, porque se fosse e tivesse a fim dela, ele não ia nem conseguir pedir pra ela mexer nas janelas.
    Aguardo continuação para saber como o rapaz vai reagir a nossa protagonista atirada.

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