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Rugas
Lavou o rosto com a água gelada, tentando acordar. Foi uma noite difícil, lembranças do passado perseguiam seus sonhos. Com a sensação de que a noite não terminaria, levantou-se com dificuldades.
Quase sem perceber estava ali defronte do espelho. Olhou o rosto com cuidado. Tocou suas rugas. Procurou ver naquele rosto, a menina inocente que fora um dia. A jovem feliz e despreocupada, a mulher madura.
Sorriu ao lembrar da sugestão de sua filha mais vaidosa. Não conseguiria jamais fazer plástica. Era feliz com cada uma delas. Cada sulco era uma lembrança. Cada dobradura, tinha uma história.
Certa vez tinha ouvido que rugas eram a ruína dos corpos. E que as rugas são o princípio do fim. E ainda ouvira mais... Disseram que era a abertura da temporada de decadência. Pensava diferente. Rugas são parte de nós. São dobraduras da vida. Como um objeto em origami de experiências. Vincos não eram mais imperfeições estéticas. Eram material nobre. Rugas não são fabricadas como corpos perfeitos o são. Rugas são conquistadas.
Sorriu para o espelho. Os olhos azuis se concentraram e ela os fechou vendo-se ali, setenta anos antes. Tinha roubado a maquiagem da mãe e usado o rímel desajeitadamente, tentando não sujar o rosto com manchas pretas. Ouviu uma voz que quase a derrubou do banco. Desceu com cuidado e tropeçou no vestido. Sua risada infantil foi ouvida e sua mãe a pegou no colo, sorrindo divertida ante a pequenina com seu vestido e olhos piscando inúmeras vezes e borrando tudo...
Seus olhos se abriram e voltou ao presente. Sem dúvida, rugas tinham a força do tempo. Eram partes de nós. Cada uma não é apenas um pedaço, mas uma nova pessoa. Dezenas de si em seu próprio rosto. Cada marca... Tudo o que realmente contava não era um amassado de idade, mas a presença de espírito, o conhecimento, a vivência e intenção.
Sorriu sabiamente. Jamais pensara o quão filósofa parecia. Riu alto e seu riso ecoou pelo banheiro. Assustou-se por um instante e se calou para logo em seguida sentir-se novamente como a mesma menina - rindo deliciada.
Abriu o armário e começou a passar o creme distraidamente. Esticou um pouco a pele embaixo dos olhos. Surpreendeu-se ao deparar-se com um olhar sedento. Sentiu sua alma livre. A solidão, ansiedade, questionamentos e complexos... Todos ficavam todos para trás. Tudo se voltava ao seu olhar cheio de energia e expectativa.
Saiu do banheiro e caminhou devagar pela casa até sentar-se na poltrona de palhinha. Ajeitou a almofada, pegou seu óculos e dispôs-se a ler uma revista esquecida. Leu a mesma página dez vezes. Não conseguia prender sua concentração na leitura. Seu rosto sonhador voltou à adolescência onde certamente a maioria de suas rugas fora adquirida. Como chorara! Complexo de inferioridade, rejeição, sentimentos de tristeza e desolação sem nem mesmo lembrar-se de um motivo que não fosse fútil... Nada estava bom e hoje... Hoje isso tudo soava tão tolo e infantil... Ainda bem que pôde ser tola. Teria se lamentado profundamente se tivesse perdido esta parte de sua vida...
Seus olhos brilhavam ao ouvir em estalido. Certamente alguém se aproximara da varanda. Olhou em volta e não viu nada. Apenas o vento movia as folhas...
Vivera muito. E só agora entendeu que nada tinha sido em vão. Cada lágrima derramada que há pouco tempo pareceu fútil e tola na verdade tinha tido seu motivo especial. Cada lágrima, cada dor, cada tristeza, e porque não todas as alegrias, momentos de euforia e felicidade... Cada ruga, cicatriz, gordurinhas, estrias, celulites, cabelos brancos... Cada uma delas era parte de si. Cada uma era uma marca que o tempo havia formado.
Sentiu-se em paz em aceitar que tinha tido uma vida plena. E agora sentia-se disposta a ter muito mais. E cada ruga nova... Tocou carinhosamente o rosto... Cada uma seria uma mais nova parte de si, uma mais nova lembrança.
Sua face podia até se modificar pela degeneração do tempo, mas o espírito... Ah... Esse rejuvenescia a cada instante tanto pelos impulsos que caem sobre nós como em razão das experiências alheias. Quando as primeiras rugas começam a se definir, tomamos consciência que o tempo passou, mas a alma não se enruga. Não contamos o número de rugas e nem devemos ocultá-las, devemos exibi-las com triunfo como medalhistas de olimpíadas. Como vencedores. Vencemos o tempo.
Sara olhou em volta e pensou novamente no espelho. Ele mostrara apenas seu corpo, mas estava equivocado. O verdadeiro espelho é aquele que nos deparamos diariamente. O espelho da vida. Este só enxerga nossa alma, nosso coração.
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3 comentários:
Que delícia de texto Sammy! Nem dá pra citar os trechos que mais gostei porque senão vou copiá-lo todo aqui ^^. O tempo faz maravilhas com a alma e nem sempre somos capazes de apreciá-las. Seria muito bom que todos pudessem sentir a mesma euforia em relação as rugas que você relata nesse texto! Vou tentar lembrar dele sempre que um novo pé-de-galinha aparecer em minha face! rsrsrs (brincadeirinha).
ResponderExcluirAmei Sammy Maria...ficou muito emocionante o seu texto. Lembrei da minha mãe... ela é muito feliz com ela mesma hoje em dia.
Sammy, vou parar de ler seus textos e resenhas quando estiver na TPM.Chorei de ter que limpar o teclado do note! Linda crônica! Sutileza e sensibilidade! Bjocas.
ResponderExcluirAh..se o problema da velhice fossem so as rugas...
ResponderExcluirCorpo decrepto, com problemas para fazer atividades basicas, erros acumulados que torturam.
Vi a velhice da minha avó, vejo o caminho que minha mãe esta trilhando e me apavoro.
Nao quero ficar velha, nao pelas rugas, mas por todo o resto.
Comenta aê!