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Diálogo com Deus no Bar do Stan

Posted by Baltazar Escritor on 7 de outubro de 2011 23:55 in ,



Três da madrugada, não consigo dormir, não consigo pensar. O mundo está um caos, a vida está um caos, no noticiário da noite, ontem, foi dada a notícia de que o mundo acabaria de vez. Os ancoras do Jornal Nacional deram a noticia com um pesar enorme, pois ao contrário do que aconteceu recentemente com um pastor, tinha-se total certeza desta vez. As crianças foram dormir cedo, os pais saíram pros bares e alguns tentavam comparecer ao que os fanáticos diziam ser Últimos Momentos Para Se Arrepender, pobres padres e pastores que resolveram esquecer suas diferenças e tentar salvar o máximo de almas o possível. Meus olhos não fecham mais, minha garganta está seca e eu não dou a minima pro fim do mundo. É, isso é estranho, não sou do tipo religioso, nem gosto de me amotinar com um bando de bêbados e sair pra farra. O normal seria, ou tentar salvar minha alma, ou me entregar à luxúria ou aos prazeres da carne, aproveitando assim meus últimos momentos na Terra. Vesti o casaco e sai pra rua sem destino, ou, se preferir, sai rumo ao bar do Stan, o menos movimentado da cidade.
Não me leve a mal, disse que não gosto de andar com bêbados, não que não era um. Reagi como reajo na maioria das vezes, pedi ao garçom duas cervejas.
“Não vi ninguém mais louco que você, pensei que com essa história de fim do mundo você ia parar de beber…”
“Não enche!”
Eu estava realmente bêbado, não de álcool, mas de ideias, elas fluíam, pensamentos insanos e despreocupados que me invadiam e destroçavam. Em meio ao crescente assomo de lucidez que tomou conta de mim, chamei a Deus.
“Oh Soberano. Tu que estás aí e nem se compadece aos ver esses pobres vermes que se chacolham, espalham e esparramam. Ameaça a raça podre com o fim, dá-lhes de bandeja a saída desse hospício e depois ri! Qual o propósito? O que você quer de nós, simples homo sapiens? Se tens uma boa defesa vem aqui e agora, desata teu pensamento. Vem dividir tuas ideias com este pequeno insignificante que te diz, Senhor, que não está achando graça das Tuas piadas. Vem dividir comigo estas cervejas!”
Um relâmpago acende o céu e um trovão rompe as portas do estabelecimento, eis que surge um senhor de idade avançada, mas bem jovem, trajando velhas roupas novas e portando um grande livro.
“Quem é você?” Eu pergunto. “Ora, não seja idiota, você acaba de me chamar,” ele respondeu, “sente-se que vamos conversar!”
Nem bem pensei, ou movi um músculo, já estava sentado numa mesa com as cervejas e o senhor. Ele parecia cansado e faminto, pedi a o garçom uns aperitivos pra acompanhar as cervejas. Não tinha cara de alguém poderoso, muito menos Deus. Devia ser apenas algum pobre coitado se aproveitando da situação pra conseguir uma cerveja, aquilo me divertia, então prossegui com o diálogo.
“O que você quer?” Eu pergunto. “Reagiu enfim aos lamentos dos mortais? Vai lhes dar um fim glorioso em que Tu te mostras ausente a queixas e preces? Não creio que cervejas sejam adequadas ao momento. Garçom, traga duas canecas de chop!”
“Me lembra eu mesmo,” ele disse, “no começo da criação, afinal eu também devo ter um criador, alguém que me fizesse a sua imagem e semelhança. Eu nunca vi, então bradei: Faça-se a luz! A fim de o enxergar, mas não deu resultado. Fiquei ofuscado e decidi que precisava haver um pouco de escuridão, fiz separação entre luz e trevas. Ainda assim não o achei na claridade, nem escondido na escuridão. Tal qual criança perdida fiz os meus brinquedos, me vali do grande estoque de nada que eu dispunha e criei o universo, mas uma coisa eu não entendo: você. Você, pequeno arrogante, que se faz de vítima e zomba da criação.”
O garçom chega com as canecas, o senhor sorve ambas, a minha e a dele, num só gole. Pensei, nossa, é melhor pedir algo mais forte.
“Não se acanhe, nobre garçom, traga duas doses de whisky, aproveitando a viajem, é melhor deixar a garrafa por aqui. Então, o senhor diz que é Deus, o Todo Poderoso, o alfa e o ômega, principio e fim, o que é e há de ser. Me diga o fim desta piada, para que meu eu ache alguma graça em ti e em mim.” Tomo meu whisky e recarrego o copo com outra dose, antes de continuar. “Diz qual o propósito do inconsciente, do inequívoco, das torpezas do ser em que me embriago. Diz o que fazer da vida, e da morte. Ou será que nem Tu, oh criador, sabes o fim desta anedota?”
Ele pigarreou uma vez, pigarreou duas, encheu seu copo com mais doses de whisky e pigarreou de novo, antes de responder.
“Insolente, atrevido mortal desprovido de juízo. Não quero aqui me gabar de te dar a vida e, como dizes, a morte. Vim deixar clara a seriedade da ameça iminente do fim, não apenas deste mundo, do fim como um todo. O fim do céu e das estrelas, do universo e o fim do infinito. Te divertes com isso, eu sei, mas o que diria se eu estiver te enganando?”
“Deus é sincero!”
“E criador de todas as coisas.”
“Menos da mentira, o diabo é o pai da mentira!”
“E eu o pai do diabo!”
“Tu és a verdade!”
“Mas também a justiça!”
“Não pode existir justiça sem verdade!”
“Pode existir pra que ela seja feita e assim não precisaria de verdade!”
“Isso é blasfêmia!”
“A realidade é uma blasfêmia!”
“Cale a boca e me passe a garrafa de whisky!”
“Com todo o prazer, se afogue em teus medos, viva a loucura. Coma e beba tua arrogância, não me importo mais. Eu te criei e te renego, já me enchi de tua mesquinharia, avaro de generosidade, estéril de bondade, me arrependo de ter feito de ti meu semelhante! Parto e te digo o fim da piada: O fim você mesmo faz, o Armagedom, apocalipse, fim dos tempos, já é hora de deixar de me preocupar com tua raça, dito homo sapiens. Cadê sua sapiência? Cadê tua capacidade de pensar, eu não destruirei a Terra, tu e teus semelhantes que o façam em meu lugar. Me retiro.”
Ele se levanta, risca algo em seu livro e some. Eu fiquei lá parado, com a garrafa na mão. Ri, pura e simplesmente, quero só ver a cara do mundo quando acordar e descobrir que ainda existe. Solto uma praga.
Deus esvaziou a garrafa!

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6 comentários:

  1. Esse texto é uma obra-prima Baltazar. Já o tinha lido antes, mas é muito bom apreciá-lo novamente. As vezes imagino que sua cabeça deve ser um turbilhão de idéias.Você é muito afortunado.
    bjs

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  2. Balta, show. Várias boas tiradas. Realmente, às vezes eu penso: "é por isso que Deus é Deus, porque se fosse eu já tinha mandando a Terra pelos ares e começado tudo denovo".
    Muita coisa errada, melhor dar logo boot no computador, rs.

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  3. Gosto muito deste texto.
    Showzaço Balta.

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  4. Obrigado pessoas, estou tendo problemas com a minha série "Eu por Eu mesmo", então vou postando uns textos já criados pra preencher a lacuna.

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  5. Nooooossa, Baltazar, vc é o que o se pode chamar de uma pessoa com idéias profundas! Muito interessante esse texto, que show ;)

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