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Resposta ao desafio da Paty
Uma casa de madeira,
piso de madeira, paredes de madeira, em que as crianças estavam pensando em
comer madeira também, em um terreno de uma tia com outra casa na parte da
frente. Muito diferente da casa de madeira, a casa da frente, era branca e
feita de tijolos firmes e, em frente da casa branca, você pode imaginar um
lindo gramado com arbustos esculpidos pela natureza para parecerem mãos com
todos os dedos apontando para o céu, mudas de beijinhos e sempre-vivas recém
plantadas. Entre as duas casas tem outro gramado, diferente do gramado da
frente, este é cheio de pedras e tem uma casa de cachorro e uma ameixeira e um
abacateiro.
Na casa de madeira
as crianças ainda estão com fome, a menina mais velha chama os dois menores,
ela vai à casa branca, a casa da frente em que mora a tia, eles podiam pedir
bolachas pra ela. Pra se chegar à casa da tia tem que subir uma pequena escada
de concreto, depois da escada tem um portãozinho branco, a menina tenta abrir o
portão. Ela força, respira fundo, empurra, mas percebe que tem um cadeado
trancando o caminho. Ela chama a tia, ela não responde, os dois menores chamam
também. Tia, tia,tia! A tia não ouve, tem uma música tocando, as crianças não
conheciam, não sabiam cantar. Pra piorar a situação de dentro da casa branca
vem o inconfundível cheiro de pão assando, pão fresquinho. Três barriguinhas
roncam, três boquinhas batem, três pares de olhos choram. Elas chamam de novo, com
soluços cortando as palavras. Tia, tia, tia! E novamente ninguém responde. A
menina limpa o nariz de baixo pra cima com a palma da mão, depois limpa a mão
no vestido rosa desbotado. Os dois menores, ranhentos até não poder mais, vão
enxugando a cara com a manga da camisa, os beiços tremendo pra segurar o choro
que teima em escorrer.
Eles entram na casa
de madeira, com os semblantes caídos e as barriguinhas ainda roncando. Bebem
água direto da torneira, isso alivia um pouco, diz a menina, a fome acalma. Os
três tentam se distrair, brincam com caixas de papelão e uma ou duas pelúcias encardidas.
A fome aperta, a menina lembra de uma coisa, arrasta os dois menores pra fora
da casa de madeira, sim, lá atrás da casa de madeira tem um pequeno quintal, é
lá que a mãe pega coisas pra comer. No pedaço de terra plantada tem umas mudas
de alface e um pouco de cheiro verde. É melhor pegar os menores pra mãe não
ficar braba da gente ter comido tudo, diz o do meio. O caçula arranca um pé de
cebolinha e enfia na boca ainda com um grânulos de terra, mastiga fazendo uma
careta e depois cospe tudo no chão, tinha um gosto bom quando a mãe cozinhava.
A menina faz cara de apreensiva e arranca um pé de alface. Puxando os dois
menores ela entra na cozinha e deixa o alface dentro da pia, liga a torneira,
sacode as folhas verdes uma por uma e as coloca num prato. Vamos comer esse que
a mãe não vai fazer falta. Eles comem as folhas com vontade, saboreando cada
folha como se fosse a melhor comida do mundo, o que naquele momento era. A
tarde passa, apesar da salada a fome ainda persiste. Os três, já cansados de
brincar, ouvem a porta se abrir, são os pais voltando do serviço. Os dois
estavam com cara de triste.
As crianças
pensaram, e era de se imaginar, que os pais estavam tristes por eles terem
mexido no quintal. O caçula chora. Desculpa mãe, desculpa pai. Desculpa do que
filho? Era muita fome, a gente comeu as folhinhas que a mãe plantou. Não tem
problema, a mãe responde com lágrimas escorrendo, tudo bem. O pai vai pro
quintal, capinar as plantas com a luz do sol do horário de verão. A mãe vai pra
cozinha e tira um embrulho de dentro de uma sacola. Ela coloca o embrulho na mesa
e abre. As três crianças espiam pra ver o que é, é um troço verde cheio de
pelinhos e com cheiro de fermento. A mãe abre uma gaveta da pia e tira uma
faca, vai descascando o troço verde como se fosse uma laranja. As crianças
sorriem de orelha a orelha quando vem o que tinha debaixo do troço verde, a mãe
termina de cortar fora o bolor, era pão. O caçula se adianta. Mãe, me dá um
pedaço? A mãe corta três fatias do pão, dá uma pra cada um, as crianças comem.
Mãe, dá mais um? Não posso, ela responde chorando, é pra semana. Ela guarda o
pão no armário e leva os três pro banheiro, escova os dentes. Hoje vocês oram,
peçam pro papai do céu cuidar da gente.
Se ouvem na noite
três améns, de três boquinhas felizes.
Essa, eu acho, é a lembrança mais forte da minha infância. A maior parte do que está escrito não é fiel nos detalhes, queiram me desculpar pois eu era realmente muito novo, mas lembro fortemente de algumas coisas, se pensar bem ainda posso sentir o gosto do pé de cebolinha e do pão embolorado.
4 comentários:
Poxa Balta...fiquei embargada de emoção. Muito triste sua história. Espero eu que não tenha sido sempre assim. Que a vida tenha sorrido algumas vezes pra vc e sua família. Tive a graça de nunca ter passado fome na vida, mas passei por muitas dificuldades também, embora já era adulta. Minha avó morava em uma casinha toda de madeira tbm. Lembro que eu adora passar os dias com ela, dormir com cobertor de pena de pato e colchão de folhas secas de milho, tirar leite com meu avô as 4:00h da manhã. Era uma vida humilde porém feliz.
ResponderExcluirEstou muito feliz com esse desafio. Poder saber um pouquinho da vida de cada um....é muito bom. Acho que vou até mudar minha história de uma lembrança que tive depois que li a sua. Gostei muito mesmo Balta. Parabéns.
E desculpe não ter comentado antes. Só tenho tempo de manhã, e ontem, depois que li o texto do Kbeça, chegou uma cliente aqui e não tive mais tempo. Mas é assim mesmo. Todos temos nossas dificuldades diárias, mas no final todos acabam lendo e comentando. É só ter paciência.
Cara, Balta, sem palavras.
ResponderExcluirQuase chorei aqui no trabalho.
Nem tenho o que comentar, apenas a agradecer. Agradecer a Deus que nunca passei fome, agradecer a Deus por sua vida ter melhorado, agradecer a Deus por sua filhota não passar a mesma coisa. =]
Balta, já passei fome, muita fome. Só tinha água e gelo para matar a fome. Sei como é.
ResponderExcluirO que eu posso te dizer é: isto é um divisor de águas. Ou você vira um canalha de marca maior, ou vira um cara honrado. Acredito que no nosso caso seja a segunda opção.
Lamento saber sobre a sua tia, mas é assim mesmo.
Só posso desejar que a sua bebê não passe pelo mesmo que nós dois passamos.
Valeu gente. Kbeça, acho que estou entre os dois, não chego a ser o maior dos canalhas e nem o cara mais honrado.
ResponderExcluirComenta aê!