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Batata Quente 2 - Texto Integral

Posted by Unknown on 24 de janeiro de 2013 08:00 in , , , , ,

Esta estória foi escrita em conjunto pelos colaboradores: Paty Deuner, Nanda Cris,  Olhos Celestes e  Baltazar Escritor.

A História de Suzanne e Cristopher

O sorriso dela era encantador.  Mesmo a vários metros de distância podia ver cada detalhe daquele rosto perfeito. Ela gargalhava agora, jogando para trás seus cachos negros que chegavam na cintura. O cara que estava ali na praça sentado ao lado dela aproximou-se e pegou sua mão.
Uma fúria inconsciente enrijeceu cada músculo do seu corpo e fogo parecia correr-lhe pelas veias.
- Minha! – Ele disse sem nem mesmo perceber, e o susto dessa revelação fez abrandar sua fúria, transformando-a em pânico.
- Foco seu idiota, foco!
Ele estava ali apenas por um motivo e precisava cumprir sua promessa. E nunca, jamais essa encantadora mulher poderia saber quem ele era de verdade.
Sua audição apurada só escutou uma última coisa antes de sair dali correndo para fugir daquele tormento.
- Posso beijá-la Suzane?
Antes mesmo de virar a esquina seus sentidos sobrenaturais detectaram o perigo. Pode sentir mesmo antes de vê-los. Virou-se e viu grupos de três criaturas caminhando apressados em direção ao centro da praça. Os rostos estavam encobertos pelo usual capuz negro, mas o brilho escarlate dos olhos era perfeitamente visível pra ele. Contou, três, seis, nove, doze...
- Merda! São muitos!
Desviou seu olhar para Suzane, que continuava a sorrir sem se dar conta do perigo que se aproximava.
Pulou para o alto de uma árvore e se pôs a pensar rapidamente no que fazer, não esperava por aquilo, tantos ao mesmo tempo e num pequeno momento seu de distração. Estavam atrás dela, ele sabia, mas estava sozinho, como conseguiria protegê-la? Ela, tão ingênua, nem fazia idéia da importância que tinha, do por quê de estarem atrás dela, aliás mal sabia que eles existiam fora de seus sonhos.
Cristopher enrijeceu-se ao ver os lábios de Suzane indo ao encontro daquela boca que não a merecia, mas antes que o beijo pudesse ser concluído aquelas criaturas da noite os alcançaram. Tão ingênua, tão ingênua, como não sentia o perigo que havia em andar de madrugada, pior, de ficar justo naquela praça e na presença de apenas um cara que jamais seria capaz de protegê-la de verdade?
- Concentre-se! - Cristopher disse para si mesmo. "Não há tempo para esse tipo de pensamento, SALVE-A!" gritou, agora em pensamento.
Três daquelas criaturas agarraram-na enquanto outra fincou rapidamente um punhal no pescoço do rapaz e saiu em disparada levando o corpo. "Bem feito!" Cristopher não pôde deixar de pensar enquanto jogava-se do alto daquela árvore, em um movimento tão rápido deixando sua forma humana e transformando-se em sua verdadeira forma, a de gárgula, com seu corpo branco como cera e as asas compridas, o rosto irreconhecível de um mostro, tão diferente do que realmente havia em seu coração.
Neste momento as três criaturas que carregavam Suzane, já inconsciente, estavam a cem metros de distancia enquanto todos os outros se reuniam montando guarda para deter Cristopher, eles sabiam que haveria alguém a guardando e não seria fácil levá-la sem luta.
Voou como se mil demônios o estivessem perseguindo. As criaturas mal podiam identificá-lo no ar, apenas viam um vulto branco se aproximar, ficando cada vez mais e mais próximo. Pousou com um estrondo exatamente no meio do primeiro grupo que guardava Suzane. Deviam ser uns 15. O fator surpresa o ajudou, nunca esperariam que ele estaria sozinho e muito menos que seria uma criatura alada.
- Enfim, companheiros chupadores de sangue, é o que tem para hoje. - ele pensou, com amargura.
Usou as garras para estripar os 3 primeiros que estavam mais próximos, com uma só sequencia de golpes. Deus, como eram idiotas. Um quarto atacou por trás, alcançando a jugular de Cristopher com as presas. A criatura só esqueceu de um pequeno detalhe: ele era feito de pedra. O monstro ainda tentou se afastar, resmungando de dor, mas ele foi mais rápido e arrancou-lhe a cabeça com um só puxão de sua mão absurdamente forte. Ao presenciar este último embate, as criaturas que ainda restavam daquele primeiro grupo saíram em disparada, cada uma para um lado, percebendo que vencê-lo não seria uma opção.
Ele então encaminhou-se, com uma calma fria, para o segundo grupo composto pelas 3 últimas bestas. Eles pareciam não entender muito bem o que havia se passado. Num momento eram a maioria, estavam em vantagem. No seguinte, o grupo se resumia a eles. Inteligência não era o forte daqueles seres, então teve que demonstrar a cada um sua força e poder, matando todos em sequência. Por fim, recolheu Suzane do chão e a aninhou nos braços como uma pedra preciosa. Tinha que sair dali com ela já. Apesar de ter mais valor viva, aquelas criaturas eram estúpidas demais, orgulhosas demais. Poderiam querer se vingar de Cristopher matando-a, já que nada podiam fazer contra ele.
Alçou voo da praça Parvis rapidamente. Nunca pensariam em procurá-lo no ar. Resolveu levá-la para a sua casa, onde nascera e onde morava desde o século XXII. Era a escolha mais próxima e mais segura. Em questão de segundos, pousava no teto da catedral de Notre Dame. Acomodou-a do melhor modo que pôde, telhas não eram tão boas quanto plumas mas era o que poderia oferecer por hora. Concentrou-se, precisava retornar à sua forma humana. Ela não poderia vê-lo deformado.
Ao finalizar a transformação, encaminhou-se para um canto de telhado onde guardava algumas roupas para emergência. Estava acabando de fechar sua camisa quando percebeu uma movimentação com o canto do olho. Virou-se sobressaltado e lá estava ela, com toda a sua formosura golpeando-o como nenhuma das feras conseguiram há pouco. Ela aproximava-se, cautelosa, os olhos, em confusão.
- Porque estou no telhado da Catedral?
- Eu te trouxe aqui, aimé. - ao ouvir como ele a achamava, ela corou e desviou os olhos.
- Quem é você? Nós nos conhecemos?
- Nos conhecemos, fleur. Você não lembra, mas me conhece sim. Eu sou Cristopher. Não há o que temer. Você foi atacada na praça, acho que desmaiou, eu os afugentei e a trouxe para cá.
- E onde está Romeu?
- As criaturas o mataram. Lamento, mas não cheguei a tempo.
Duas lágrimas verteram pelos olhos de Suzane, mas ela se mantinha forte, tentando se controlar. Fungou de leve.
- E o que faremos agora?
Ele olhou para o horizonte, vendo o sol que começava a despontar.
- Preciso que você se mantenha em segurança dentro da Catedral, onde o solo é sagrado, até amanhã à noite, quando poderemos decidir o que fazer.
- E porque não decidimos agora?
- É melhor você ver, ao invés de eu tentar te explicar. Não há mais porque esconder.
Ele, então, encaminhou-se até a beira do telhado e, ao pular para a beirada, ouviu um pequeno arqueijo atrás de si. O tempo estava acabando, não havia tempo para explicar. Acomodou-se na sua quina favorita no exato momento em que os primeiros raios de sol tocaram sua forma humana. Sentiu a transformação chegando, repuxando pele, deformando seu rosto e imobilizando sua alma. Seu último pensamento conciente antes de cair no sono sem sonhos de todas as manhãs foi:
- Tomara que Suzane esteja aqui quando eu voltar à vida.
Suzane ainda passou um tempo observando a figura da gárgula imóvel, entalhada de pedra a séculos atrás. Desde pequena olhava as gárgulas da janela de sua casa, que ficava a poucas quadras da catedral, desde pequena sonhava com elas, os sonhos mais misteriosos e incríveis que já tivera, mas jamais poderia imaginar que conheceria uma de verdade, e que seria um lindo rapaz humano. Suspirou ao pensar em sua forma humana, era de fato lindo. Mas como podia ser um monstro? Uma gárgula horrenda? Nada fazia sentido.
Sentiu o sol batendo forte em seu rosto, fazendo-a sair de seu transe. De repente percebeu que precisava arranjar um meio de descer daquele telhado, não poderia passar o dia todo ali, sentia-se faminta e assustada, precisava voltar para casa, sem contar que tinha medo de altura. Começou a procurar com os olhos por qualquer coisa que a ajudasse a sair dali, olhou tremula ao redor, com medo de que não encontrasse saída, mas lá estava ela, uma pequena passagem que dava a um corredor interno suspenso, assim como várias que haviam em torno de toda a catedral. Caminhou lentamente até ela, tentando em vão não olhar para baixo, e quando se viu dentro da catedral correu o mais rápido que pode para encontrar a saída.
Suzane só respirou aliviada quando chegou à porta de sua casa, mas ao abri-la arquejou e sentiu seu corpo todo amolecer. O que acontecera ali? Tudo  estava um caos, parece que alguém estivera procurando algo em sua casa enquanto estava fora. Haviam vasos e porta-retratos quebrados, papeis espalhados por todo o chão da casa, vários de seus livros rasgados e pisoteados, comida, roupas, tudo jogado e destruído. Ela caminhou lentamente pela casa, estupefata, aterrorizada. Era muita, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, e o pior, o que aquelas criaturas queriam com ela?
Isso a fez parar e pensar. Esqueceu-se até da fome e jogou-se no sofá, por cima de páginas rasgadas de jornal que ali estavam, e ficou em transe lembrando de todos os sonhos que já tivera com essas criaturas, vampiros, gárgulas e outros seres do sobrenatural. Será que ainda estaria sonhando? Não, tinha certeza que não. Chorou. Suzane chorou pela morte de Romeu, chorou pelos seus pais que haviam desaparecido misteriosamente dois anos antes, chorou por todo esse pesadelo que estava vivendo, até que adormeceu.
- Suzane, Suzane? Acorde aimé. – Cristopher passou a mão gentilmente em seu rosto.
Suzane acordou sobressaltada e o encarou, olhou ao redor e percebeu que já era noite. Depois de algum tempo ainda aturdida disse:
- Você me deve respostas.
Cristopher encarou-a, sem saber o que dizer.
- Por que eu? O que querem comigo? Como vocês existem de verdade? – Ela não ia desistir de ter suas respostas.
- Todas as respostas estão em seus sonhos querida, tudo que sonhara desde pequena...
- Você vai comer essa carne crua?
Ele teve que sorrir da expressão horrorizada dela com os olhos arregalados para a porção abastada de carne crua no prato à sua frente.
-É o que eu preciso comer para manter-me forte durante meu breve período de vida humana. Desculpe, sei que não deve ser muito agradável. Vou comer na sala.
- Não!
Ela segurou sua mão quando já estava de pé. Seu toque era quente e macio, como sempre imaginava que seria.
- Eu não me importo. De verdade. Sente-se e coma comigo.
Ele sentou-se, e ambos comeram em silêncio por um longo tempo. Custou a convencê-la de que deveria tomar um banho e comer alguma coisa antes de conversarem sobre o que estava acontecendo. Além de estar realmente preocupado com a aparente fraqueza dela, queria ganhar tempo. Não podia contar tudo e teria que ponderar suas palavras. Mas o que o deixava realmente feliz era ver que ela não o temia, e parecia não ter nojo dele também.
- Então. Você podia começar me contando o que eram aquelas criaturas. – A voz dela era suave, mas decidida.
- São vampiros. E são meus inimigos naturais. São fortes e poderosos, mas é preciso muitos deles para acabar com alguém como eu.
- E alguém como você seria?
- Um lobo. Na verdade eu sou um lobo em minha essência. Mas há séculos atrás fiz um juramento que...bem, para poder salvar e proteger a minha espécie, ganhei forças e poderes para superar qualquer vampiro. Mas em troca disso, passo parte da minha vida petrificado em uma forma horrenda. E preciso estar sempre em solo sagrado para a transformação senão...
Os olhos de Suzane estavam fixos nos seus absorvendo cada palavra. E não conseguiu concluir sua explicação. Era terrível demais. Por agora tinha que ser o suficiente.
- Então é isso. Sou na maior parte do tempo um monstro. Mas não se preocupe porque consigo ter emoções humanas também. Estou aqui pra ajudá-la.
Ela piscou várias vezes como se saísse de um transe e sorriu. Aquele sorriso amável que tantas vezes apreciou só de longe. Não conteve o impulso de tocá-la. Traçou seus dedos sobre a bochecha dela até o queixo. Ela suspirou. Um suspiro longo e cansado. Era impossível decifrar suas emoções naquele momento.
- Agora me diga o que esses vampiros querem de mim Christopher.
Essa era a parte difícil da história. Como dizer a ela que seu sangue carregava a imortalidade para a espécie dele? Será que ela entenderia o lado não humano que corria em suas veias?
Um baque surdo, inaudível para os ouvidos humanos, alertou-o para o perigo de estarem ali.
- Suzane, você não pode mais ficar aqui. Temos que ir embora. Acharei um lugar seguro pra você.
- Mas espera aí. Essa é a minha casa! Não posso deixá-la assim!
- Não temos tempo pra discutir isso agora. Pegue algumas coisas e vamos.
Enquanto ela organizava alguns pertences na mochila, ele inspecionou cada canto da casa onde era possível a entrada das criaturas, embora eles não precisassem necessariamente de uma entrada. Mas com certeza seriam cautelosos para não afugentá-los. Mais dois baques vindos do telhado. Dessa vez o som foi alto o suficiente para Suzane gritar.
- Vamos Suzane!
Arrastando-a pelo braço conseguiram chegar ao beco lateral, mas viu que não seria possível saírem dali pelos meios normais.
- Confia em mim?
Ela apenas meneou a cabeça afirmativamente, mas ele viu em seus olhos a dúvida e o medo.
-Então segure forte no meu pescoço e feche os olhos. Não vou deixar que nada aconteça a você. Pode confiar em mim.
E como um raio cortando um céu sem estrelas, ele voou de encontro à escuridão da noite.
A casa na Rue de Bièvre com a Quai de La Tournelle, antes de ela acabar na Quai de Montebello, começou a gemer com o barulho de garras arranhando a madeira das taubilhas do telhado. Pela janela Suzane pode ver, horrorizada, uma criatura de asas membranadas e corpo que parecia misto de humano com morcego, a criatura devia ter a altura de un enfant, não mais que um metro e meio. Parecia sedenta e possessa, Cristopher assumiu a forma de gárgula enquanto o vampiro quebrava o vidro da janela e se precipitava para o interior da casa.
Ele se interpôs no caminho do vampiro e com um golpe rápido de sua asa decapitou-o, fazendo com que o corpo sem cabeça tombasse inofensivo no chão e começasse a metamorfose da regressão, que é quando um ser transformado que morreu volta à forma humana. Suzane abafou um grito, mas não teve tempo para outros acessos emocionais. Cristopher a abraçou e pulou de costas na janela por onde o vampiro entrara. Ela achou que cairiam com tudo no jardim, mas ele mal tocou o chão, subiu reto como um foguete, depois planou em direção à Pont de I'Archevêché.
Suzane pôde ouvir o bater de várias asas os seguindo, mas nem o medo e nem o ângulo em que estava a deixaram olhar pra trás. Ela também ouvia a respiração pesada ressoando no corpo forte de Cristopher, não parecia ser de pedra, mas ela podia sentir a frieza que brotava dali. Algo definitivamente aterrador. Ele dava voltas no ar para despistar o inimigo e ela perdeu a conta de quantas vezes cruzaram o Sena. Cristopher queria voar novamente para a proteção de Notre Dame, mas os vampiros cortavam a sua fuga.
— Estão tentando me afastar do solo sagrado — sua voz parecia metálica e oca — tem alguma idéia de onde podemos ir? Está quase amanhecendo e eu não poderei protegê-la.
— Eu lembro da Nany Cher'Franches comentando sobre as catacumbas com nossas outras colegas de trabalho lá no La Bouteille D'Or, enquanto tomávamos café, deve ter uma entrada debaixo de uma das pontes ligadas à Ile de la Cité.
— E...
— As catacumbas serviam originalmente como cemitério.
— Cemitério é solo sagrado — os dois falaram juntos.
— Então poderemos entrar na catedral pelas catacumbas sem sair de solo sagrado — Suzane completou sua idéia.
Essa conversa distraiu Cristopher e ele não conseguiu desviar quando um vampiro entrou na sua frente e eles se chocaram.
Uma das garras da criatura arranhou o braço de Suzane, fazendo-a berrar de dor, como se aquilo a queimasse. O vampiro levou a garra até a boca e lambeu o sangue. Cristopher já tinha se recuperado do esbarrão quando um bando de vampiros alcançou o primeiro, pareceram tomá-lo por líder, pois deixaram este ir na vanguarda.
A visão não deixaria os barqueiros que estavam preparando seus flutuantes para os turistas dormirem sossegados pro resto da vida, uma gárgula carregando uma moça por baixo da Pont Petit. Ele planava quase rente à água, procurando a entrada entre os sustentáculos das pontes, até que viu um túnel gradeado abaixo da Pont Saint-Louis e parou se agarrando às grades e despedaçando-as com as garras. Os vampiros, levados pelo impulso do voo, demoram o suficiente para ele empurrar Suzane pela abertura e seguir atrás dela. Eles já estavam nas catacumbas, os vampiros estacaram fora da grade, mesmo com o grande buraco nesta feito por Cristopher, como se ela os amedrontasse. Porém um deles seguiu em frente, deixando os outros do lado de fora. Cristopher tinha abaixado a guarda, achando estar seguro, e o vampiro o atacou pelas costas. Eles rolaram pelo chão das catacumbas engalfinhados em uma briga de presas e garras. O vampiro parecia tão forte quanto o gárgula, tentando atingir sua jugular enquanto este lhe rasgava as asas.
— Ele... Ele... Ele entrou em solo sagrado — gemia Suzane. — Como isso é possível?
Ela sentiu um ardor no braço arranhado e se deu conta, antes mesmo de Cristopher falar.
— Ele provou o seu sangue Suzane, fuja.
Eles estavam em solo sagrado e estava amanhecendo, Cristopher acabara de arrancar uma asa do vampiro quando começo a virar estátua, então apertou forte o pescoço de seu antagonista e ambos se petrificaram por completo. Suzane desabou no chão, exausta.
Suzane chorava sem saber o que estaria por vir, imaginava se Cristopher estaria vivo quando escurecesse novamente. E os vampiros? O que aconteceria com ela se eles a encontrassem? Passara o dia escondida na catedral, queria sair para comer alguma coisa, queria dormir um pouco, mas não podia. Seu ferimento do braço também doía, não pôde cuidar dele. Estava morrendo de medo de sair dali, do solo sagrado, e ao mesmo tempo tinha medo de ficar ali, aquele vampiro conseguira entrar em solo sagrado, e se outros viessem a conseguir também? Cristopher dissera algo sobre o seu sangue, mas Suzane não sabia se havia entendido direito.
O sol já estava baixo, se escondia por trás dos edifícios, Suzane sabia que faltava muito pouco para escurecer e tremeu com o pensamento.
Quando o ultimo raio de sol deixou de tocar o solo, Cristopher sentiu o formigamento da transformação, sua consciência voltava e quando a transformação acabou ele percebeu que o vampiro não estava mais ali.
- Mas... Como...?!
Olhou enraivecido para todos os lados, aquilo não era nada bom. Será que o sangue de Suzane era tão forte assim que o fez se levantar e fugir? Ou talvez os vampiros tivessem algum tipo de acordo com criaturas do sobrenatural que pudessem andar durante o dia?
“Não, talvez Suzane seja ainda mais importante do que eu pensava, talvez eu estivesse subestimando o poder do sangue dela.” Ele pensou enquanto corria pelo subterrâneo, temendo não encontrar Suzane na catedral.
Guiou-se pelo cheiro dela e felizmente a encontrou sentada num canto, encolhida e meio adormecida.
- Suzane... – sussurrou.
- Ow, Cristopher! – Ela ficou muito aliviada ao vê-lo e jogou-se aos seus braços, mesmo ele estando na forma horrenda e gelada de gárgula.
Cristopher sentiu o calor do corpo dela junto ao seu e tremeu com um calafrio gostoso. Devia dizer algo a ela, devia se preparar para lutar, devia pensar num lugar realmente seguro para levá-la, mas sua cabeça esvaziou-se por completo, tudo que queria era estar ali, com ela em seus braços dando-lhe aquele carinho gratuito.
Quando Suzane percebeu que o abraçava e que ele retribuía sentiu-se um pouco constrangida e se afastou, dando as costas a ele para que não visse seu rubor.
- Então... – ela disse. – Conseguiu destruir aquele vampiro que nos seguia?
- Não... – Cristopher não podia mentir, e ainda estava um pouco zonzo com o efeito daquele abraço, falava devagar. – Ele... sumiu. Não sei como.
Suzane virou-se e o olhou com terror.
- Isso quer dizer que ele pode aparecer aqui mesmo e nos pegar? E a qualquer hora?!
- Tenha calma mon amour... não deixarei que nada lhe aconteça.
Ele se transformou em humano e pousou a mão sobre o ombro de Suzane, para dar-lhe segurança. Os dois se olharam.
- Temos que cuidar desse ferimento. – Ele disse por fim, olhando para o braço de Suzane. O corte parecia estar infeccionando.
- Não é seguro sair daqui.
- De fato, mas se não cuidarmos disso pode piorar muito. Você vai ficar bem escondida aqui enquanto eu saio e consigo algo para fazer um curativo e alguma comida para você aimé.
- Não, você está louco? Eles vão te pegar, vão te matar se você for lá fora! Pelo que sabemos um deles pode ser invencível agora...
- Eu vou, não importa o que você diga. Eu preciso cuidar de você...
- Então... – Suzane suspirou. – Beba meu sangue antes de ir.
- O que? – Cristopher a olhou como se estivesse ficando louca.
Suzane pegou em sua mão e o olhou com súplica.
- Eu... Eu... Amo você... – Ela gaguejou. – Não quero que corra nenhum risco... então, se meu sangue fez aquele vampiro ficar tão forte, pode fazer você ficar ainda mais forte e invencível que ele, por favor...
Cristopher sentiu seu corpo todo tremer. Então, ela o amava também?! Milhões de coisas passaram por sua mente em um instante, até que percebeu que ela esperava ansiosa por uma resposta, com a expressão cansada, mas com um brilho mágico no olhar.
— Suzane, eu... – como iria dizer isso a ela. - eu tenho que te contar uma coisa...
Cristopher foi interrompido por um estrondo vindo de uma das janelas da catedral. Ambos olharam sobressaltados para a janela e avistaram um vampiro se jogando contra ela uma, duas... na terceira vez a janela se estilhaçou e ele foi parar dentro da catedral dando cambalhotas, mas rapidamente se pôs de pé e começou a caminhar lentamente em direção ao casal.
Cristopher se postou entre Suzane e o vampiro. Era o vampiro que havia bebido o sangue de Suzane e, para a surpresa de Cristopher, ele parecia intacto, até mesmo a asa que lhe havia arrancado estava no lugar.
— E agora, - a voz do vampiro soou grotesca, pesada – vai esconder sua queridinha onde? Não podem mais fugir de mim, não podem mais se esconder.
Suzane estremeceu. Cristopher rapidamente se transformou em gárgula e atacou o vampiro com um golpe direto no pescoço, que este desviou e acertou Cristopher por trás com um soco nas costas, que o fez cair no chão. A gárgula levantou-se rápido e tentou em vão desferir outro golpe contra o vampiro, que desviou novamente agarrando-o com suas garras afiadas. Neste momento Cristopher viu pela janela quebrada que um bando de vampiros sobrevoava o lugar pelo lado de fora só esperando o desfecho da luta.
Aproveitando da distração de Cristopher o vampiro agarrou-o pelo pescoço e jogou-o contra uma parede, quebrando-a. Suzane deu um grito, o que fez o vampiro se voltar para ela. Amedrontada ela tentou correr, mas antes do terceiro passo sentiu ele agarrar-lhe e levantar voo. Ela olhou suplicante para Cristopher, que estava desacordado em sua forma humana no meio dos destroços da parede destruída. No fundo ela sabia que ele ainda viria lhe salvar.
O vampiro encontrou os outros que voavam do lado de fora, ela ouviu garnidos que pareciam de vitória. Os vampiros a levaram para um túnel que ela não soube identificar onde exatamente ficava, entraram em uma sala de iluminação fraca e um cheiro podre muito forte que a fez vomitar quase instantaneamente, então amarram-na em uma viga de sustentação. Fraca e assustada Suzane acabou desmaiando.
Quando Cristopher acordou, olhou em volta e blasfemou. O sangue de Suzane triplicou a força do vampiro. Aquilo era uma catástrofe. Agora que estavam com ela, não hesitariam em sugar até a última gota de seu precioso sangue. Se tornando tão fortes, ficaria difícil para Cristopher defendê-la sozinho. Como proceder?
Passou a mão no cabelo, andando de lá para cá. Não conseguia pensar em outra saída, precisava apelar para os Ancestrais. Sem mais hesitar, saiu voando em direção ao telhado da Catedral de Notre Dame.

Suzane acordou sentindo-se ainda fraca e desnorteada. Olhou à volta procurando Cristopher, mas então a realidade se abateu sobre ela como um véu negro e ela sentiu um arrepio de terror por todo o seu corpo. Olhou em volta assustada. Estava sozinha, por enquanto. Suspirou aliviada e tentou se soltar da viga. Estava muito bem presa, só conseguiu com o processo esfolar os pulsos. Um filete de sangue escorreu de onde estava amarrada, pingando no chão. Neste exato momento um vampiro entrou na sala, os olhos enlouquecidos, o peito arfando e a boca escancarada em um grito:
- Sangueeee....

Cristopher aproximou-se da maior gárgula existente no telhado da Catedral e começou a sussurrar as palavras do ritual de invocação. Entoou o cântico até sua garganta secar e sua esperança minguar. Já estava quase desistindo quando uma forte luz começou a emanar da estátua a sua frente e ela ganhou movimento. Recuou para evitar ser esmagado por suas enormes patas. A estátua se espreguiçou e olhou em volta, seus olhos encontrando-o a um canto do terraço.
- Porque ousa me acordar?
-A Deusa está em apuros e não posso resgatá-la sozinho.
A enorme criatura cruzou o telhado com duas longas passadas e postou-se em frente a Cristopher, prendendo-o entre 2 paredes. Rugiu e arreganhou os dentes, pronto para arrancar sua cabeça fora.
-Como pode falhar tão terrivelmente? – A raiva era palpável em cada palavra proferida. – Ninguém sabia da existência dela, era para ser uma tarefa ridícula. E você falhou, filhote? – O desprezo na última palavra afundou o coração de Cristopher. Gaguejando, respondeu:
- Perdão senhor... perdão. Um vampiro maculou sua carne, arrancando apenas algumas gostas de sangue. Ele provou-o e nos perseguiu até o solo sagrado, onde eu achei que estaríamos seguros.
- Seguros? Seguros? Ele provou o sangue dela, seu tolo. Solo sagrado não quer dizer mais nada para ele.
-Agora sei disso senhor.
-Você devia ter prestado atenção quando sua missão foi explicada. Agora é tarde, mas não vou perder mais meu tempo com você. Onde a Deusa está?
-Eles a levaram enquanto eu estava desacordado...
-Porque não estou surpreso? – Górgon reclamou, pouco antes de agitar as asas e começar a voar – Siga-me, filhote, e tente não se pôr em perigo. Veja se aprende alguma coisa.

Suzane ofegou e se contraiu o máximo que sua posição permitia. Que ideia estúpida tentar se soltar, agora aquela criatura babante estava ali querendo seu sangue e logo outras, graças ao grito dado por ele, estariam ali também. Resignou-se com a ideia de que, pelo menos, sua morte seria rápida. A criatura aproximou-se e lambeu o chão, olhando-a com desejo. Seu coração acelerou e ela sentiu as pernas fraquejarem. Aquelas poucas gotas no chão não saciariam a fome da criatura, ela sabia. Dito e feito, ele atacou seu antebraço e ela soltou um grito frente a violência do golpe. Doía, ardia, tudo ao mesmo tempo. Neste momento, outras criaturas adentraram o aposento, todas no frenesi do sangue.

A grande gárgula seguiu o cheiro inconfundível da Deusa pelas ruas de Paris, voando muito mais rápido do que Cristopher, que dava tudo de si para acompanhá-lo. Ele farejava o ar mas nada sentia. Como Górgon poderia rastrea-la tão perfeitamente? Sentia-se cada vez mais despreparado para aquela missão, mas não podia cogitar a possibilidade de se separar de Suzane, não agora que ela admitira que o amava.
Voaram sem contratempos até o lugar onde Suzane estava presa. Lá chegando, Górgon quebrou uma das janelas e entrou no aposento. Cristopher entrou logo em seguida, a tempo de ver todos aqueles vampiros em cima de Suzane que tinha o rosto contorcido pela dor. As criaturas nem perceberam a entrada deles, envoltas pelo frenesi do sangue. Aquilo agitou algo primitivo dentro dele e o fez querer ultrapassar Górgon. A grande gárgula parecia lenta perto do excesso de energia que havia brotado no interior do seu corpo. Ao tentá-lo, Górgon impediu-o jogando seu corpanzil imenso sobre ele e enviando um aviso mental:
Não faça nada precipitado.
Ele controlou-se e manteve-se um pouco para trás. Queria destroçar cada um que estava fazendo mal a ela, mas já havia falhado uma vez e quase a perdera. Não poderia se dar ao luxo de falhar de novo...
Suzanne tinha certeza que não iria sobreviver mais por muito tempo. Sentia a consciência resvalar e pensava que aquilo seria uma benção. O fim da dor, era tudo o que ela queria.

Górgon caiu em meio aos vampiros, esmagando na queda os que ainda não tinham chegado perto de Susanne. Ainda assim, sobraram muitos, e alguns já tinham poderes, graças ao sangue da Deusa, não seria possível derrotá-los apenas na força física. A gárgula então concentrou-se no seu poder e emitiu uma forte luz azulada que congelou todos os vampiros no recinto. Cristopher o encarou estupefato. Não fazia idéia que eles dominavam a magia! Mas logo afastou este pensamento e correu para Suzanne, ela estava muito pálida, com vários ferimentos no corpo e desmaiada. Acomodou-a nos braços e aguardou instruções. Górgon estava arrancado as cabeças dos vampiros congelados com os dentes.
- Está divertido aí, chefe?
- Não me venha com ironias, filhote. - Górgon disse depois de cuspir mais uma cabeça - Estou tentando decepar todos os que beberam do sangue da Deusa. Assim eles não vão conseguir nos perseguir, nem passar a informação adiante.
- Certo. - Cristopher respondeu, constrangido.
- E você deveria me ajudar. Essa magia só dura uns cinco minutos, logo eles vão acordar e vão atacá-la novamente, até a drenagem total. Temos que nos livrar de todos.
Cristopher rapidamente depositou Susanne em um canto e começou a atacar, o tempo era precioso.
Como era bom sentir ar puro durante um vôo sem perseguições. Sentir Suzanne em seus braços, segura. Aquilo sim era vida. Lendo sua mente, Górgon vociferou:
-Não cante vitória antes do tempo, criança. Ainda tem o primeiro vampiro que provou o sangue da Deusa. Ele ainda está solto por aí.
-É verdade, havia me esquecido dele.
-O seu problema é esse, meu rapaz: memória curta.
Cristopher resolveu engolir a ofensa, ele a merecia. Apertou Suzanne um pouco mais nos braços. Quase a perdera e por culpa total e exclusivamente sua. Burro!
Ao chegarem no teto da Catedral de Notre Dame, encaminharam-se diretamente até uma parede que não parecia ter nada demais. Cristopher não entendeu o porque, mas achou melhor ficar calado. De qualquer forma, logo saberia o que estavam fazendo.

Górgon aproximou-se da parede e viu que o portal começava a se destacar com uma luz muito forte, quase cegante. Sem hesitar, tocou o centro da porta e ela se afastou, abrindo caminho para que seu corpanzil pudesse entrar naquele mundo paralelo. Fez um gesto para que Cristopher o seguisse e entrou, sem olhar para trás.
Ao adentrar, foi recebido por seu mestre, que o saudou e comentou:
- Ouvi murmúrios sobre o seu retorno, studento*. Vejo que voltou acompanhado. O que houve com a Diinon**?
- O filhote a deixou ser capturada.
Cristopher deu um passo à frente, tentando se fazer notar e falou:
- Desculpe por isso, eu...
- Não interrompa-nos. - o mestre o cortou - Você poderá falar quando for solicitada sua opinião. Prossiga Górgon.
- Consegui salvá-la e matei os vampiros que haviam provado seu sangue ou que sabiam sobre o poder dele. Mas ainda há um solto, o primeiro.
- E o que você pretente fazer?
- Trouxe-a para que o senhor a curasse. E, quando ela despertar, tocarei sua mente para tentar rastrear o fugitivo.
- Certo, mas a transformação não poderá mais ser protelada.
- Sim, mas esta missão acho melhor deixar a cargo do senhor.
- Como queira. Infano***, traga-me a Diinon.
Cristopher aproximou-se e parou a apenas um braço de distância. Não sabia direito o que fazer, então ficou apenas parado, aguardando o desenrolar dos fatos, com Suzanne nos braços, ainda desacordada.
O mestre estendeu os braços e fez surgir uma luz ainda mais azul que a emitida por Górgon. Ela envolveu o corpo de Suzanne, que começou a se reconstituir, perante os seus olhos. As faces ganharam um rosado saudável e ela parecia que nunca tinha sido atacada. Suspirou aliviado. Ela sairia dessa. Foi com o coração transbordando de felicidade que viu-a abrir os olhos tão logo a luz cessou.
- Cristopher? O que houve?
- É uma longa estória, Mon Bijou****. O que você precisa saber é que todos os vampiros estão mortos, você está segura.
- Não minta para a Deusa, fedelho. - Górgon bufou - Bote-a no chão, precisamos conversar.
Suzanne, já do chão, encarou-o, assustada. Sussurrou:
- Cristopher, quem é ele?
- É meu mestre, escute-o pois ele precisa de um favor seu. Realmente nem todos os vampiros morreram, la unua está solto por aí, como a profecia previu.
- La unua?
- O primeiro, na nossa língua nativa, mon amour*****. Fale com ele.
- Ok. - Suzanne parecia assustada, mas decidida. Aproximou-se de Górgon e escondeu as mãos que tremiam atrás do corpo. - Prazer, senhor. Em que posso ajudar?
- Preciso tocar sua mente, Deusa. Mas não se preocupe, não doerá.
- Sinta-se a vontade.
Ela sentiu uma presença dentro de sua cabeça, mas não chegava a ser desconfortável. Depois de alguns momentos, a conexão se findou e ela sentiu apenas uma leve enxaqueca.
- Consegui localizá-lo. Ele sabe onde estamos e está vindo para cá. Não passará pelo portal, é claro, a magia antiga não permitirá. Mas podemos surpreendê-lo no telhado.
- O tempo é curto, studento. Diinon, aproxime-se, precisamos conversar. - O mestre falou e estendeu a mão, convidando-a a chegar mais perto.
Ela segurou sua mão e se aproximou. Não sentia medo daquela velha gárgula. Pena que o mesmo não podia dizer do mestre de Cristopher. Ele era tão imponente, que ela se sentia insignificante perto dele.
- Sim?
- Você é nossa Diinon, nossa Deusa. Você vive por toda a eternidade nos resguardando. Quando seu corpo, por algum motivo, se deteriora, você morre, mas não a morte que os homens conhecem. Você se apossa de um corpo humano e fica com sua mente embotada, numa espécie de hibernação. Para descansar e se fortalecer mentalmente. Nós preservamos sua integridade física até que chegue aos 18 anos, quando você já se encontra apta a exercer suas atividades de guardiã do nosso mundo.
- Eu fiz 18 há uma semana...
- Exatamente. Estávamos arrumando tudo para o seu regresso, mas os vampiros acabaram nos obrigando a apressar um pouco o processo.
- Mas, como poderei ser uma guardiã? Meu corpo não suportaria uma luta física com um vampiro... talvez nem mesmo com um humano!
- Realmente, seu corpo físico não está preparado para isso, mas segundo a profecia, apenas você tem o poder de aniquilar La unua. é para isso que você terá que passar pela transformação, quando seu cérebro se lembrará de todas as suas vidas pregressas e você retornará como nossa Deusa e guardiã.
- Transformação?
- Sim, você tem que assumir sua forma original.
- Que seria?
- Uma gárgula, é claro.
Suzanne olhava para o mestre gárgula desnorteada, os olhos arregalados.
- Você está bem? – Cristopher perguntou, preocupado.
- Deusa...? Gárgula? – Ela olhou lentamente para ele, os olhos suplicantes, como se pedisse que ele lhe dissesse que tudo aquilo não passava de um sonho.
- Sim,- ele assentiu devagar – é você.
- Não, não pode ser, eu sou tão insignificante! Não posso ser uma Deusa. – ela protestou.
- Aceite sua verdadeira forma, - a voz do mestre soou rígida como pedra, fazendo Cristopher e Górgon estremecerem. – é só o que precisa fazer.
Suzanne olhou de uma gárgula para outra, esperando que alguém protestasse, mas nada aconteceu.
- O que devo fazer então? – perguntou, a voz fraca.
- Venha comigo. – o mestre falou.
Cristopher deu um passo a frente, mas Górgon o impediu e Suzanne seguiu sozinha com o mestre para uma sala particular.
A sala parecia muito velha e nela havia apenas uma mesa de madeira maciça, forrada de papeis amarelados, um pôster de uma enorme gárgula numa das paredes, que Suzanne reconheceu como sendo o mestre, só que um pouquinho mais jovem, e uma lâmpada fraca que pendia de um fio no teto.
- Você precisa se concentrar, Diinon. Feche os olhos e se concentre nessas palavras: Sou uma gárgula!
Suzanne o olhou com receio, mas ele assentiu com a cabeça.
- Apenas faça isso, eu cuido de todo o resto. Confie e não se desconcentre em hora alguma, eu lhe prometo que não vai doer nada, se você mantiver a concentração. Imagine-se uma gárgula.
Suzanne assentiu, suando. Fechou os olhos e o mestre começou a fazer uma prece em uma língua muito antiga, parecia mais antiga que o próprio mundo, e uma energia azul, quase roxa, muito forte, começou a emanar dele, ele pôs a mão sobre a cabeça de Suzanne, que tremia como se um frio intenso a castigasse.
Ela sentia tudo se remexer dentro dela, em sua mente ela repetia “sou uma gárgula, sou uma gárgula...” e via imagens de várias gárgulas diferentes, seu estomago dava nós atrás de nós, ela sentia como se um êmbolo* estivesse ali dentro, fazendo tudo girar e pressionando seu estômago de um lado para o outro.
Por um instante pensou em seus pais, em sua vida normal, tudo que deixaria para trás se realmente se tornasse uma gárgula, e uma dor imensa transpassou seu peito, como uma estaca enfiada em seu coração, ela gemeu e começou a lacrimejar, o mestre estremeceu e sua magia diminuiu, mas Suzanne recuperou a concentração rapidamente, sentindo que seu corpo todo formigava, uma energia cada vez mais intensa passava pelo seu corpo.
De repente Suzanne começou a ter consciência de muitas vidas, memórias de muitas décadas da história do mundo estavam ali em sua mente, ela não era mais a menina indefesa de 18 anos, era a Diinon.
A magia havia cessado e ela abriu os olhos, imediatamente o mestre ajoelhou-se em reverência. Suzanne estava transformada em uma gárgula de estatura maior que as outras, e era um ser lindo, apesar do corpo de pedra, as asas enormes e garras muitíssimo afiadas, os olhos brilhavam num verde intenso e ela era bela, muito bela.
- Vamos, temos muito que fazer meu Senhor e servo. – ela disse, sua voz soava alta e imponente, era a mesma voz de Suzanne, mas mil vezes mais autoritária.
O mestre se levantou e a seguiu, quando adentraram a sala onde Cristopher e Górgon esperavam, os dois ajoelharam-se. Cristopher lançou um olhar ainda mais apaixonado à Deusa.
- Levantem-se, - ela ordenou. – vamos destruir La unua.
- Suzanne...- Cristopher suspirou.
- Sou sua Diinon, me chame assim. – ela disse, mal olhando para Cristopher, e seguiu caminhando serenamente em direção ao portão.
Lá fora La unua já esperava por eles, ele queria mais que um gole do sangue da Deusa, ele queria exterminar toda a raça gárgula. Quando a Deusa apareceu bem diante dos seus olhos ele uivou, amedrontado. Cristopher e Górgon apareceram logo atrás, mas não precisavam fazer nada, a Deusa por si só era capaz de matar um bando de vampiros sozinha.
Para mostrar seu poder, quando La unua levantou voo a Deusa rapidamente voou até ele agarrando-o, ele agora estava em pânico, precisava da Deusa ainda em estado humano para poder acabar com todos, agora que ela tinha sofrido a transformação ele sabia que não teria chance alguma. Ela simplesmente agarrou-o pelos ombros e rasgou-o ao meio, como se estivesse abrindo um fecho-ecler**, e depois lançou-o ao chão enquanto ele virava poeira.
Cristopher e Górgon olhavam maravilhados o poder da Deusa.  Quando ela pousou ao lado deles, Górgon pediu licença e com uma reverência se retirou e voltou ao seu lugar de estatua, dizendo apenas:
- Meu serviço aqui terminou. – lançou um ultimo olhar desaprovador para Cristopher e virou pedra outra vez.
- Suzanne... digo, Diinon, - Cristopher estava encabulado, não sabia como prosseguir. – você... a Senhora, disse que me amava, ontem mesmo enquanto ainda era humana.
Ela o fitou, confusa. Suas memórias humanas haviam sido apagadas no instante em que se transformara em gárgula, na sua mente haviam apenas as memórias de séculos como a Deusa das estátuas vivas.
- Você, pequeno aprendiz, - ela falou, a voz doce – tem um cheiro açucarado, – ela tentou fazer soar como um elogio, de certa forma compadecia-se com a paixão dele – mas é ainda muito fraco. Se se apaixonou por uma mortal em sua missão, sendo eu, a Deusa, ou qualquer outra pessoa, é ainda dependente demais dos sentimentos, não pode ser assim, isto te causará a destruição um dia.
- Mas, eu tenho certeza que não! Meu amor por você é o mais puro que existe, não me importo se sou uma gárgula ou o que quer que seja! Esse amor não vai morrer.
Ele tinha lágrimas nos olhos, estava em sua forma humana e parecia totalmente indefeso, tentando convencê-la de seus sentimentos, não acreditava que ela simplesmente esqueceu que o amava.
- Se você assim diz, bravo iniciante, prove-me! Dou-lhe um século para se tornar o mais forte e perspicaz dos guerreiros, um século para me fazer te amar, começando agora.
Ela sorriu-lhe e entrou no portal, deixando-o de boca aberta e sem reação, até que o dia clareou e ele transformou-se em pedra de novo.


* aluno em esperanto.
** deusa em esperanto.
*** criança em esperanto.
**** minha jóia em francês.
***** meu amor em francês.

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2 comentários:

  1. Nossa, meus parabéns! Eu sempre achei gárgulas super legais, e esse texto só me fez gostar mais! A história ficou ótima, adorei!

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  2. Muito bom Olhos!

    Isso me lembra que eu tenho de terminar o batata 1...e compilá-lo também.

    Giulia...essa estória teve a contribuição de todos os participantes do blog. Cada um fez um pedaço. Mas devemos admitir que a Olhos foi a escritora mais dedicada. Parabéns Olhos!

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