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DESAFIO MUITO DESAFIANTE - PatyDeuner
Essa é a minha reposta ao desafio que foi proposto para todas as meninas Retalhenses.
DESAFIO MUITO DESAFIANTE.Uma sacudida violenta do ônibus me tirou do estupor e a imagem de inúmeros picos de montanhas voltou ao foco da minha visão. A estrada já contornava o morro mais alto do relevo encantador das terras de Rio Acima, uma cidade histórica de Minas Gerais cujos rios e cachoeiras deslumbravam qualquer visitante. Mas a estrada de terra batida cheia de buracos e cascalhos soltos não ajudava muito na investida de se conhecer o lugar. No fundo do vale, a maria-fumaça, também chamada de “Trem das Cachoeiras” atravessava sobre uma pequena queda d’água. Eu fiquei maravilhada, fazendo uma anotação mental de voltar a Rio Acima e fazer aquele passeio turístico pelas cataratas da região.
O sol já se recolhia no horizonte traçando linhas alaranjadas sobre os morros, e resolvi voltar à leitura do meu precioso livro, antes que a escuridão chegasse. Mal abri o livro quando uma brusca freada me fez bater a cabeça na janela e minha visão ficou turva. Senti uma forte fisgada na nuca que me fez agarrar o livro junto ao peito. E não vi mais nada.
...
Acordei me sentindo tão leve que pensei que fosse um sonho. O som de água correndo por entre pedras era a única coisa que conseguia ouvir, e a primeira coisa que vi foi meu livro aberto bem ao lado do meu rosto. Levantei devagar em busca de uma referência. Não lembrava te ter ido nem chegado a lugar algum, mas algumas lembranças foram tomando forma. Foi um acidente. Levei as mãos à cabeça e senti o pano úmido que a rodeava. Mas eu não sentia dor, nem cansaço. Retirei o pano ainda sujo de sangue e passei as mãos por toda a cabeça. Não havia nenhum ferimento, e eu não sentia absolutamente nada. Fisicamente eu quero dizer, porque a sensação de leveza foi substituída por puro pânico. Onde eu estava? Como tinha parado ali? A brisa soprou mais forte e uma página do livro virou, revelando uma mancha de sangue sobre a folha amarelada do pó calcário da estrada. Peguei o livro e li a frase que jazia sob o líquido vermelho: “Você foi escolhida”. Meu coração se acelerou ainda mais, e não contive a reação de sair correndo dali. Mas antes que pudesse tomar qualquer direção, percebi que estava em um vale profundo, e a minha volta, pedras altíssimas barravam qualquer intenção de fuga. O lugar era maravilhoso. As pedras irradiavam um brilho sobrenatural e a água refletia tons de prata. A brisa suave chacoalhava copas perfeitas de árvores que sobressaíam entre as pedras. Respirei fundo e comecei a escalada que prometia ser dolorosa. Aos poucos fui pegando o ritmo e quando cheguei ao que parecia ser o topo da parede rochosa, um barulho de grossos troncos sendo quebrados assumiu a posição do meu mais novo pânico. Fiquei escondida atrás de uma fenda procurando a melhor maneira de espreitar a origem do som sem ser vista. A pouco mais de dois metros dali, já numa planície arbórea sem muitas pedras, um homem com traços visivelmente mestiços, rachava uma tora de madeira com investidas incessantes do seu machado. Fiquei petrificada, evitando até mesmo respirar para que ele não notasse minha presença. Seu cabelo preto desgrenhado batia na altura dos ombros nus, que pareciam tão fortes e maciços quanto à madeira que ele descerrava. Subitamente ele se virou na minha direção, e seus olhos negros mergulharam nos meus. Um sorriso leve e gracioso surgiu em seus lábios quando ele disse:
- Você acordou.
Eu não sabia o que fazer. Muito menos o que dizer.
- Venha conhecer seu novo lar Samantha. Você tem muito o que aprender por aqui.
Continuei muda, mas aceitei a oferta dele sem pensar duas vezes. Ele era tão lindo que parecia um sonho realizado. E o mais incrível é que de repente eu não sentia mais medo. Tanto aquele homem quanto aquele lugar pareciam o certo pra mim. Tudo ali parecia certo.
Depois de alguns minutos de caminhada silenciosa ao lado dele, cheguei às margens de um grande rio, cujas águas límpidas deixavam transparecer o fundo verde e rochoso. Então, antes que eu pudesse começar a fazer as perguntas que assolavam a minha mente, ele começou a falar, com uma voz macia e calma.
- Esse é um lugar muito especial Samantha. Poucas pessoas têm a graça de chegar até aqui. Você foi uma pessoa boa e viveu sua vida com retidão e sabedoria. Teve tantos pecados quanto qualquer ser humano, mas soube reconhecer seus erros. Ajudou a todos que passaram por seu caminho e foi humilde o bastante para viver sem ostentação. Por isso você foi escolhida.
A última frase me deixou perplexa. Era a mesma frase do meu livro, manchado de sangue. Minha cabeça começou a girar enquanto tentava assimilar tudo aquilo. Só podia ser um sonho mesmo, e a qualquer momento acordaria dentro do ônibus na cidade de Rio Acima. Finalmente tomei coragem e pronunciei minhas primeiras palavras.
- Quem é você? Que lugar é esse?
- Sou seu companheiro em sua nova vida, e esse lugar é sua morada para a vida eterna.
Ele pegou minha mão e me conduziu alguns passos para dentro da água fria, que chegou até meus joelhos. Com um movimento circular de sua mão esquerda, o espelho d’água começou a girar formando um redemoinho prateado. Aos poucos a água se estabilizou e formas humanas se formaram na superfície. Fiquei surpresa ao ver minha vida se desenrolar em flashes dos momentos mais emocionantes e surpreendentes, desde a minha infância. Senti as lágrimas escorrerem pelo meu rosto quando percebi o que realmente estava acontecendo. O ônibus tomou forma nas imagens e meu rosto apareceu calmo e tranqüilo apreciando as montanhas. Então o momento ficou tenso. O ônibus nitidamente se descontrolou ao bater a roda dianteira em uma enorme pedra e despencou pelo desfiladeiro. Um nó se formou na minha garganta, quando mais uma vez a imagem se dissolveu e apenas meu corpo imóvel apareceu na cena, enrolado no meio de folhas úmidas e galhos retorcidos. Uma luz prateada surgiu me rodeando e aos poucos se transformou em uma forma humana. Ele me olhou com carinho me carregando no colo. Era o mesmo homem que estava ali ao meu lado.
- Você é um anjo.
Eu disse já soluçando tentando conter a emoção.
- E eu morri. Já não existo no mundo. É isso não é?
Ele afagou as costas da minha mão com o polegar e me puxou em um abraço.
- E mais do que isso Samantha. Você começou a existir agora. A vida humana é só uma passagem, tão rápida quanto uma brisa de verão. Nela o homem é provado e aprender a sabedoria da vida. São muito poucos que conquistam a dádiva da vida eterna. De todas as pessoas naquele ônibus, você foi a única escolhida. E eu sou um anjo sim. O seu anjo.
Depois de todas as emoções frustradas que me absorveram anteriormente, fui acometida de uma profunda paz. Ali, nos braços do meu anjo, pude sentir que tudo o que eu vivera até aquele momento não tinha a menor importância. Agora estava finalmente em casa para toda a eternidade.
3 comentários:
Paty! uau!
ResponderExcluirNossa, que onírico isso! Que clima de sonho, cheio de simbolismos.
Lindo e poético, Paty. " A vida humana é só uma passagem, tão rápida quanto uma brisa de verão." Que lindo isso.
Achei muito legal a idéia da "escolhida". Que linda essa idéia toda de paz e eternidade.
Nem todas tem o mesmo destino em situação semelhante, rss... (sexta-feita, meu texto, muhahahahaha)
Lindo mesmo, Paty, parabéns!
Caramba Paty.... Fiquei muito impressionada com a história (mais ainda com meu nome, rsss) Tô até com medo de pegar ônibus agora, rs
ResponderExcluirAmei as descrições. Cara... amo quando o texto nos faz imaginar em detalhes o lugar onde se passa. Minha descrição preferida foi: "Seu cabelo preto desgrenhado batia na altura dos ombros nus, que pareciam tão fortes e maciços quanto à madeira que ele descerrava."
A história está ótima. Vários trechos interessantíssimos. Só acho que depois vc pode dar uma revisada nas vírgulas e parágrafos para ficar mais fácil ler e seguir o fluxo.
Pombas, nem o da Paty eu comentei? Tá de zueira, só pode. Affs!
ResponderExcluirVamos lá então!
Achei estranho a protagonista de chamar Samantha, porque a proposta não era a gente escrever algo como se nós mesmas fossemos as protagonistas? (sei que já falamos disso em pvt, mas se eu não falasse nada sobre isso não seria eu, rs)
Achei bem lúdica a história, esse papo de viver com um anjo lindo e sarado pro resto da vida (ou seria da morte?) tale e coisa, coisa e tale, mas me pergunto se eu nao ia achar enfadonho se acontecesse comigo, kkk.
Fico feliz que sua personagem tenha encontrado o descanso eterno. Literalmente. kkkk
Comenta aê!